Ação é necessária, segundo a CJP, devido aos rejeitos de minério no Rio Doce

A Comissão de Justiça e Paz (CJP) da Diocese de Colatina, no noroeste do Estado, encaminhou ofício para o Ministério Público do Espírito Santo (MPES), Defensoria Pública (DPES), Defensoria Pública da União (DPU), Procuradoria da República no Espírito Santo (PRES) e para as ouvidorias gerais do Estado, da prefeitura e do Serviço Colatinense de Saneamento Ambiental (Sanear), solicitando a garantia de captação alternativa de água no município, que é dependente do Rio Doce para abastecimento.
A necessidade, aponta o coordenador da CJP, Genivaldo Lievori, ocorre diante do fato de que desde o crime da Samarco/Vale-BHP, em 2015, os moradores de Colatina precisam comprar água mineral não somente para tomar, mas para outras necessidades diárias, como cozinhar, uma vez que a água do Rio Doce está contaminada com rejeitos de minério.
Genivaldo relata que em 2016 foi feito um Termo de Transição e Ajustamento de Conduta (TTAC) entre os governos do Espírito Santo e Minas Gerais, a União e as empresas responsáveis pelo crime. Por meio dele, no artigo 171, foram instaladas bombas a 4km da foz do rio Santa Maria do Doce, afluente do Rio Doce, que nasce em Santa Teresa, na região serrana. Contudo, o empreendimento feito nunca funcionou nem obteve o cuidado necessário por parte da gestão municipal, o que culminou em um abandono e roubo da parte elétrica.
Uma outra iniciativa, rememora Genivaldo, foi fazer uma obra do tipo no rio Pancas, localizado no município de mesmo nome, no norte do Espírito Santo. Isso se concretizou, contudo, a obra nem ao menos foi entregue ao Município, uma vez que uma pessoa reivindicou a propriedade do terreno e tanto a Fundação Renova quanto a Samarco não quiseram comprar.
Diante disso, para garantir a captação alternativa de água, a CJP reivindica diligência junto à Agência Estadual de Recursos Hidrícos (Agerh) para fins de constatação e comprovação da situação; instauração de procedimento, para fins de apuração e tomada de providências cabíveis para cobrar a funcionalidade da obra; investigação sobre possível negligência ou má-fe; e que seja solicitada à Fundação Renova “a construção de infraestrutura para armazenamento de água suficiente para atender o disposto no artigo 171 e seus parágrafos do TTAC durante a escassez hídrica”.
No documento encaminhado pela CJP às instituições, a Comissão destaca que, para além da não utilização da obra feita no rio Santa Maria do Doce, há o problema da escassez hídrica, que pode fazer com que no rio não haja vazão suficiente. Por causa disso, afirma, “é necessário questionar em que medida a captação alternativa proposta através da construção de Adutora no rio Santa Maria do Doce supriria a necessidade de abastecimento de água prevista na Cláusula 171 do TTAC e parágrafo segundo, ou seja, abastecimento de até 30% ou até 50% no caso de municípios com mais de 100.000 habitantes, caso de Colatina”.
O texto acrescenta que “a bacia Hidrográfica do rio Santa Maria é composta pelos municípios de Santa Teresa, São Roque do Canaã e Colatina, os quais vem passando por fortes períodos de estiagem, desde a década de 1980, com irregularidades de distribuição, aumento de demandas e a degradação ambiental, abrindo assim caminhos para uma série de tensões e disputas”.
A CJP salienta que a falta de solução para captação alternativa de água “reflete um grave descaso com a população de Colatina, que já sofre há quase 10 anos com os impactos do rompimento da barragem de Fundão (Mariana-MG), em 2015”. Diz, ainda, que “a Fundação Renova, criada para gerir as reparações dos danos causados, tem a obrigação legal e ética de garantir soluções efetivas para o abastecimento de água e recuperação ambiental . Se um sistema alternativo de captação de água foi entregue à Sanear ( empresa de Saneamento de Colatina), mas não funciona, isso evidencia falhas na execução das medidas de reparação, agravando o sofrimento da população”.
Repactuação
Dos municípios reconhecidos como atingidos pelo crime da Samarco/Vale-BHP no Espírito Santo e Minas Gerais, 67% rejeitaram as condições estabelecidas pelo acordo de repactuação. Ao final do prazo estabelecido, apenas 16 de 49 prefeitos formalizaram a adesão. Homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em novembro de 2024, os termos da repactuação foram definidos na mesa de negociação conduzida pelos governo federal, os estados de Minas Gerais e Espírito Santo, Ministério Público Federal (MPF), Defensorias Públicas dos estados, Defensoria Pública da União (DPU) e pela Justiça Federal, sem a participação direta das prefeituras e das populações atingidas.
O acordo prevê o repasse de aproximadamente R$ 132 bilhões em indenizações, programas e projetos de reparação social e ambiental, além de obras de infraestrutura. No entanto, prefeitos das cidades atingidas discordam das condições estabelecidas, especialmente quanto aos valores e prazos de pagamento, que se estendem por 20 anos.
Dos onze municípios capixabas reconhecidos como atingidos, seis assinaram a repactuação: Anchieta, Fundão, Serra, Linhares, Conceição da Barra e São Mateus. Entre os demais, Aracruz, Baixo Guandu, Colatina e Marilândia optaram por continuar ações judiciais contra a BHP na Inglaterra, que foi abandonada apenas por Conceição da Barra e São Mateus, devido à cláusula do acordo que impede as cidades que aderirem a permanecerem com ações no exterior contra as mineradoras responsáveis pelos danos. Já Sooretama tem processo em andamento na Holanda contra a Vale.
O rompimento da barragem de rejeitos da Samarco, controlada pela Vale e BHP, resultou na liberação de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração, matando 19 pessoas e impactando mais de 2,5 milhões de pessoas em três estados. Os rejeitos percorreram 684 km do Rio Doce até alcançarem o mar em Regência, em Linhares. Até hoje, os atingidos sofrem com a desestruturação social e política, além das perdas ambientais e econômicas.
Nenhum dos réus envolvidos no crime da Samarco/Vale-BHP foi punido criminalmente. Dos 26 acusados inicialmente, 15 foram excluídos da ação penal, e a lentidão do processo pode levar à prescrição. Enquanto isso, os julgamentos internacionais na Holanda e na Inglaterra surgem como uma esperança para a responsabilização das empresas.
Final do julgamento
O julgamento na corte inglesa sobre a responsabilidade da mineradora BHP pelo colapso da barragem de Fundão, em Mariana (MG), em 2015, começou em outubro do ano passado e foi retomado nesta semana para as alegações finais. Até esta quinta-feira (13), os advogados das vítimas apresentarão seus argumentos, enquanto a defesa da BHP fará sua manifestação entre os dias 10 e 12. A expectativa é que a juíza responsável pelo caso, Finola O’Farrell, anuncie a sentença até o meio do ano.
A ação coletiva, movida por aproximadamente 620 mil pessoas que reivindicam indenizações de até R$ 230 bilhões, contou com o depoimento de sete testemunhas que ocuparam cargos estratégicos na BHP. Durante o julgamento, os réus foram questionados sobre o grau de controle da empresa sobre a barragem, o conhecimento prévio sobre falhas na estrutura e as medidas adotadas após o crime. Além disso, a corte ouviu especialistas brasileiros em direito civil, societário e ambiental, uma vez que o julgamento se baseia na legislação do Brasil, assim como especialistas em geotecnia.