A comissão especial da Câmara dos Deputados que analisa o novo Código da Mineração cancelou pela segunda vez consecutiva a reunião para votar o parecer do relator, deputado Leonardo Quintão (PMDB-MG), que estava marcada para esta quarta-feira (26). Não há previsão de nova data.
A medida ocorre poucos dias após o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) apresentar, na comissão, uma questão de ordem que pede a substituição de Quintão. Alencar questionou a isenção do relator para ocupar o cargo, já que o parlamentar mineiro recebeu R$ 1,8 milhão de empresas do setor para sua campanha à reeleição deste ano, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O valor corresponde a 37% do total arrecadado pelo relator e representa um aumento de 374% no financiamento de empresas da área a Quintão em relação à disputa de 2010, quando recebeu R$ 379,7 mil.
Entre os doadores deste ano está o próprio irmão do relator, Rodrigo Lemos Barro Quintão, sócio-administrador da empresa Minero Metalurgia Sabinopolli Ldta e administrador da Itazul Mineração Ldta, ambas do setor e, portanto, diretamente interessadas na aprovação dos projetos de lei apensados ao novo Código.
Segundo Alencar, o cargo de relatoria exercido por Quintão contraria o Código de Ética da Câmara, que em seu inciso VIII do Art. 5º afirma ferir o decoro parlamentar relatar matéria submetida à apreciação da Câmara dos Deputados, de interesse específico de pessoa física ou jurídica que tenha contribuído para o financiamento de sua campanha eleitoral.
“Não se trata, aqui, de questionar a legalidade do financiamento da campanha eleitoral do deputado Quintão em 2010, nem tampouco de pôr em xeque sua probidade pessoal. Ele está juridicamente impedido de relatar a matéria devido a normas objetivas e não por apreciações subjetivas ou acusações à sua conduta”, ressaltou Alencar no documento.
O pedido de substituição deverá ser analisado pelo presidente da comissão especial, deputado Gabriel Guimarães (PT-MG).
Em setembro, organizações da sociedade civil e movimentos sociais que integram o Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração, entraram com um mandado de segurança inédito no Supremo Tribunal Federal (STF) para retirar Quintão da função, por quebra de decoro parlamentar. O ministro Luiz Fux não apreciou o mandado, alegando questões processuais. A decisão é objeto de recurso.
Em maio, uma representação popular com a mesma motivação foi apresentada contra Quintão na Secretaria Geral da Mesa da Câmara pelo mesmo grupo. Mas o pedido foi negado pelo presidente da Casa, Henrique Alves (PMDB-RN), sob a justificativa de que o projeto trata de “regras gerais, aplicáveis indistintamente a todas as empresas que atuam no setor”, motivo pelo qual não estaria relacionado aos interesses de nenhuma empresa em especial.
No Espírito Santo, integram a comissão especial a deputada federal Rose de Freitas (PMDB), eleita ao Senado, e o deputado federal reeleito, Paulo Foletto (PSB), como membros efetivos; e o vice-governador eleito, César Colnago (PSDB) e a deputada federal derrotada à reeleição, Iriny Lopes (PT), como suplentes. Todos financiados na campanha deste ano por empresas da mineração, com destaque para Rose, que arrecadou 57, 8% do total de R$ 4,97 milhões do setor, sendo R$ 1,21 milhão somente da Copper Tranding, que pertence a seu suplente, o empresário Luiz Pastore (PMDB).
Outras empresas que serão beneficiadas pelas mudanças no Código e que mantêm plantas industriais no Espírito Santo, a Vale e Aracruz Celulose (Fibria), também foram campeãs de doações nas disputas proporcionais no Espírito Santo.
O atual Código de Mineração (Decreto-Lei 227/67) foi publicado durante o regime militar, mesma época em que grandes empresas ligadas ao ramo se instalaram em todo o país. A nova proposta (PL 5807/13) foi enviada pelo governo federal e apensada a outros seis projetos de lei (PL 37/11 e outros) sobre o assunto, que já tramitavam na Câmara dos Deputados desde 2011.
Elaborado sem debates com as comunidades impactadas e com foco exclusivamente economicista, o novo Código trata territórios como “áreas livres” para os interesses das mineradoras, enquanto não há qualquer garantia dos direitos de comunidades tradicionais afetadas pela atividade.