Comunidade denuncia Suzano por descumprir compromisso de recuar com monocultivo e replantar eucaliptos
A Comissão Quilombola do Sapê do Norte, que congrega mais de 30 comunidades localizadas no território quilombola tradicional localizado entre São Mateus e Conceição da Barra, no norte do Estado, iniciou uma retomada de terras da comunidade de Nossa Senhora da Penha, próximo ao trevo de Conceição da Barra, que tem cerca de 50 famílias.
O mutirão teve início nesse sábado (25), com a retirada dos eucaliptos replantados pela Suzano Papel e Celulose (ex-Fibria e ex-Aracruz Celulose) em áreas próximas das casas e lavouras da comunidade, e plantio de lavouras para subsistência. Toda essa movimentação foi informada aos órgãos de Justiça responsáveis por defender os direitos do povo quilombola, com base na Constituição Federal e no Decreto federal nº 4887/2003, declarado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2018, após longa batalha judicial.
“Ministério Público, Defensoria Pública, Conselho de Direitos Humanos. Informamos todo mundo do que a gente está fazendo”, afirma uma liderança local que pede anonimato, com medo de represálias por parte da multinacional, considerando o histórico de agressividade da empresa em relação às comunidades quilombolas.
Segundo a liderança, a Suzano descumpriu um compromisso firmado com as comunidades no ano passado, de que entregaria as áreas identificadas como tradicionais do território ancestral para uso dos moradores. “Teve um pré-levantamento para entrega das áreas. Foi no dia 4 de outubro. O Narciso [nome do funcionário da Suzano que vai ao território lidar com os moradores] passou nas comunidades, falando que era a prévia da devolução das terras”, conta.
No entanto, em novembro, a empresa iniciou novos plantios exatamente nas áreas prometidas de devolução, prossegue a liderança. “Fez negociação, pré-levantamento, e não cumpriu, depois fizeram o plantio tudo de novo dos eucaliptos”.
A negociação para devolução das terras, conta, foi acompanhada da Mesa de Resolução de Conflitos Fundiários, coordenada pela Secretaria de Estado de Direitos Humanos (SEDH). “Na Mesa, nós da comissão dissemos que se eles não cumprissem o prometido, a gente iria entrar e retomar. Foi o caso, porque plantaram o eucalipto todo de novo, estão com 60 centímetros de altura. A gente participava online das mesas. Depois que fez levantamento, não teve mais reunião da Mesa”, relata.
Desde sábado, o trabalho em mutirão é diário. “Estamos tirando o eucalipto, colocando placas, e fazendo plantio de mudas de coco, laranja, mandioca, tudo que é da nossa cultura quilombola. É todos os dias nessa luta. Não tem como tirar imediatamente o eucalipto”.
A liderança reforça ainda denúncias que vêm sendo feitas ao longo dos últimos anos por várias comunidades certificadas: os eucaliptais invadem a intimidade das famílias e inviabilizam um cotidiano saudável. “Os eucaliptos são tudo plantados perto da gente, em volta das nossas casas. É perigoso cair por conta do vento, a aplicação de agrotóxicos também é muito próxima das casas, contamina nossas águas e seca todos os rios”.
Decisão judicial
A usurpação do território quilombola pela multinacional é considerada ilegal pelo Ministério Público Federal (MPF). Argumentação nesse sentido consta na Ação Civil Pública impetrada em 2015 – processo nº 0104134-87.2015.4.02.5003/ES – e teve a primeira decisão judicial favorável às comunidades. Em outubro passado, o juiz Nivaldo Luiz Dias determinou que seja declarada a nulidade dos títulos de propriedade emitidos para a então Fibria, por terem sido resultado de grilagem de terra, conforme demonstrou a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Aracruz Celulose empreendida pela Assembleia Legislativa em 2002, e que o governo do Estado realize a transferência quilombola das terras devolutas hoje sob posse da papeleira.
“Em nossas comunidades, o nosso povo vivia bem, comia e bebia com fartura. Hoje precisamos de tudo para viver, de todos os nossos direitos, desde o saber alimentar ao saber plantar. Lutamos para que o governo do Estado cumpra com a decisão da Justiça”, pontua o documento da Comissão Quilombola do Sapê do Norte.
“Estamos lutando também pelos que já se foram e pelos que ainda vão vir. Lutamos por uma vida digna para todas e todos das comunidades. Uma vida que seja, mais do que apenas respirar, mas que garanta acesso à saúde, educação, segurança alimentar, lazer, cultura e tantas outras coisas importantes para o pleno desenvolvimento de qualquer pessoa”, declara.
“Se quisermos manter nossa existência e nossas tradições, necessitamos de espaço para plantar e criar nossos filhos e netos conforme nossos saberes. Essa é uma luta de mais de 30 anos das comunidades quilombolas no Território do Sapê do Norte”, reafirma a Comissão.