MPES também move processo contra empresa que quer instalar condomínio de luxo em área de APP
A comunidade de Guaibura, na região da Enseada Azul, em Guarapari, divulga um abaixo-assinado em que pede a transformação de seu território em uma unidade de conservação, de forma a frear a especulação imobiliária que ameaça sua existência.
A petição destaca a ameaça que uma Área de Preservação Permanente (APP) sofre, com a tramitação do licenciamento de um condomínio de luxo para 460 pessoas, o que equivale ao triplo da população local.
“O Morro de Guaibura (…) é um local rico em diversidade e ponto estratégico de conservação de Mata Atlântica à beira-mar. O Morro possui um manguezal e aquíferos que permitem a procriação de aves nativas e migratórias. Além disso, representa um ponto de contato com o sagrado de diversas religiosidades (…) é fundamental para a sobrevivência da comunidade pesqueira tradicional que habita em seu pé, a Vila Guaibura”.
O condomínio, chamado “Residencial Guaibura”, é de propriedade de Jan Siepierski, informa a petição, que chama a atenção para o fato do empreendedor querer instalar a grande obra em uma península, que tem apenas uma entrada e saída. “Além disso, a região não conta com coleta e tratamento de esgoto adequados, de forma que os corais e os mariscos do pé do morro estão ameaçados, junto com as praias que rodeiam o morro”.
O pedido de desapropriação para criação de uma unidade de conservação é direcionado à Prefeitura de Guarapari, Ministério Público do Espírito Santo (MPES), Governo do Estado, Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Seama), Ministério do Meio Ambiente e Governo Federal.
A posse do terreno, agora reivindicada pelos Siepierski, afirma a comunidade, não tem comprovação. “Nenhum dos ditos proprietários ao longo dos anos teve, efetivamente, posse sobre o local. A posse é da comunidade e assim a comunidade quer que permaneça”.
A polêmica sobre a posse do terreno consta no processo aberto pelo MPES sobre o caso – Nº 2022.0025.3298-86 –, que também aborda a ameaça ao meio ambiente e à sobrevivência da comunidade. A ação foi aberta após publicação de reportagem neste Século Diário, em novembro de 2022, às vésperas de mais uma audiência pública referente ao licenciamento em curso para o empreendimento.
Em um primeiro momento, o promotor de Justiça Otávio Guimarães de Freitas Gazir solicitou à prefeitura informações como “planta baixa indicando a quantidade de unidades, área ocupada, posicionamento em relação aos marcos naturais, etc.”, bem como “se houve avaliação das repercussões e impactos paisagísticos do empreendimento e eventuais medidas adotadas para mitigação do impacto” e sobre a caracterização ambiental da região, incluindo “tipo de vegetação do local, fauna, a fauna de migração transeunte e (…) Área de Preservação Permanente”.
Colaborando com a investigação, uma denúncia foi anexada ao processo do MPES, com informações do laudo da vistoria realizada pelo Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) realizada em 2007. Sobre o Morro da Guaibura, o laudo afirma que “o patamar inferior caracteriza terrenos de marinha sujeitos à ação contínua de maré, do espraiamento das ondas e/ou ‘spray marinho’. É constituído por costão rochoso que em alguns pontos forma poças de marés e, em outros, possibilita desenvolvimento do ambiente com características de manguezal, com flora e fauna estabilizados”.
A denúncia também afirma que “a comunidade pesqueira de Guaibura, povoou a região há mais de 90 anos e, por decisão coletiva, não povoou o morro da Guaibura por se tratar de espaço comum e área de preservação, e reuniu-se em 2009 para limpeza da região de mangue do morro, de forma que a biodiversidade da região aflorou ainda mais nos últimos anos, contando com a presença de Guaiamuns”.
Aborda ainda a mudança no Plano Diretor Municipal (PDM), em 2016, o que mudou a classificação da área para Zona de Uso Turístico (ZTU), tornando possível construções de prédios de até quatro pavimentos. “Nessa brecha, fizeram o projeto de construção no morro”, explica Juliana Paradela, que assina a denúncia anexada ao processo do MPES.
Foi um “retrocesso legislativo na proteção ambiental”, acentua, pois a prefeitura “nunca adequou seu plano diretor para demarcar áreas com função de preservação permanente”, tampouco “promoveu estudos antropológicos que permitissem compreender a dinâmica sócio-histórica da região, composta por povo originário que vive da pesca e preserva hábitos tradicionais de origem afro-indígena”.
“Ressalta-se ainda que existe uma consciência coletiva de que o morro se trata de um espaço público. A placa, no entanto, foi removida e substituída, sem explicações, por outra que avisa a propriedade particular do local. É importante que o Ministério Público investigue (…)”, acrescenta.
Apesar do licenciamento ainda não ter sido concluído e do processo do MPES, o empreendimento já está sendo anunciado para vendas. “Tudo o que eles estão postando sobre venda, é sobre um empreendimento que não tem licença”, alerta.
Moradora de Guaibura, a jovem Thaís de Almeida Santos complementa: “Chamou muita atenção, nessas propagandas, é que eles falam que vai ter uma piscina por apartamento. No EIV [Estudo de Impacto de Vizinhança] não fala isso. Depois a imobiliária apagou o vídeo que fala das piscinas”.
Ela também manifesta a indignação dos moradores com a invisibilização do manguezal e da mata preservada sobre o morro, com toda a sua fauna e flora nativas. “Pedimos outro estudo ambiental por conta disso. O Ministério Público está cuidado disso”.
Para acessar o abaixo-assinado, clique aqui.
Para mais informações sobre o Movimento Não Mexe no Morro da Guaibura, clique aqui.