Audiência em Itaúnas destacou preservação ambiental e protagonismo dos moradores
O futuro do Parque Estadual de Itaúnas (PEI), em Conceição da Barra, norte do Estado, impactado pelo Programa Estadual de Desenvolvimento Sustentável das Unidades de Conservação do Espírito Santo (PEDUC), foi debatido durante audiência pública itinerante convocada pela Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa, com forte reação à exclusão da comunidade do projeto, apresentado até o momento na mídia, sem consulta pública ou estudos de impacto ambiental. Realizado na quinta-feira (7), o encontro reuniu mais de 350 pessoas na quadra poliesportiva da vila tradicional.
As manifestações dos moradores destacaram a importância da área de proteção ambiental para a sobrevivência da população local e reforçaram o apelo por uma gestão popular que respeite a função primordial da Unidade de Conservação (UC). O parque chega a receber 100 mil pessoas anualmente, e as comunidades tradicionais dependem dele para manter seus modos de vida, como destacou a liderança quilombola Gessi Cassiano, representante da comunidade de Linharinho, localizada nas proximidades da UC.
“O que está sendo discutido é a sobrevivência”, definiu. Ela ressalta que a população não tem conhecimento da dimensão dos impactos do modelo de exploração turística, que vai beneficiar grandes empresas. “Pode gerar emprego e renda agora para algumas pessoas, mas o impacto para nós, dentro das comunidades, pode ser muito maior a longo prazo”, afirmou.
Com faixas e cartazes, o público presente demonstrou posições contrárias e favoráveis ao programa, mas se uniu em torno do consenso de que a comunidade precisa estar no centro das decisões. Outro ponto de concordância entre os participantes da audiência está na reivindicação por mais investimento do setor público e a corresponsabilidade da comunidade na preservação da área, relata Adelson Barbosa, do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), residente do Assentamento Valdicio Barbosa, localizado no entorno da vila.
“Todos questionam o descaso do Estado e reconhecem o papel das pessoas que vivem e trabalham ali, porque é cuidando do parque que se cria as condições para a permanência das atividades econômicas”, observou.
A sensibilidade ambiental do Parque Estadual de Itaúnas é uma das principais preocupações, pois a área sofre com processos de degradação desde a década de 1970, quando a vila original foi soterrada pelas dunas. Adelson argumenta que a Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Seama) deveria ter convocado a audiência pública sobre o programa de privatização para garantir a deliberação popular. No entanto, o debate só foi realizado por iniciativa da Comissão de Meio Ambiente da Assembleia, sob a liderança da deputada Iriny Lopes (PT).
Apesar da privatização ter sido apresentada como instrumento de desenvolvimento econômico pelos representantes da Seama, Iriny questionou se essa perspectiva chegaria à coletividade. Ela destaca que o plano de negócios voltado para o turismo de massa compromete a função primordial dos parques estaduais, a conservação ecológica, além de descumprir a legislação e violar os direitos da comunidade. “A convivência do parque com o desenvolvimento econômico tem que ser harmônica, porém, não há harmonia com grandes empreendimentos. Não deu certo em lugar nenhum do mundo”, alertou.
‘Precarizar para vender’
A vulnerabilidade do Parque de Itaúnas, ressalta a deputada Camila Valadão (Psol), é consequência direta do desmonte dos mecanismos de conservação ambiental promovido pela governo do Estado, agravado pela flexibilização das leis ambientais e pela redução de investimentos em órgãos de fiscalização como o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) promovidas pela gestão do secretário de Estado de Meio Ambiente, Felipe Rigoni.
Para ela, o sucateamento das unidades de conservação atende a uma estratégia que visa “precarizar para vender” e reforçar uma justificativa para a privatização. “É grave a situação das unidades de conservação. Não vamos aceitar a entrega do nosso patrimônio ecológico para o lucro da iniciativa privada”, declarou. Segundo a deputada, outras audiências públicas serão marcadas para que o tema continue a ser discutido.
Diante das críticas ao projeto apresentado na mídia, o assessor do secretário, Vitor Ricciardi, mencionou durante a audiência que a Secretaria de Meio Ambiente realizará audiências públicas em dezembro deste ano e instalará um escritório na comunidade. No entanto, o prazo de entrega do plano de negócios desenvolvido pela consultora Ernst & Young se encerra em janeiro, o que limita a deliberação dos moradores.
Na última semana, o coordenador do programa se antecipou à reunião da comissão e foi até vila, onde se encontrou com empresários, comerciantes e membros da equipe do parque. Durante sua estadia, moradores relataram que o representante do governo declarou que “a visita era informal” e não fazia parte da agenda oficial do governo.
Impactos socioambientais
Os projetos iniciais de empreendimentos turísticos para o Parque Estadual de Itaúnas, em Conceição da Barra, e o Parque Estadual Paulo César Vinha, em Guarapari, apresentados pela consultora Ernst & Young, contratada sem licitação por 8 milhões, incluem estruturas de grande impacto em áreas naturais protegidas. Propostas como teleféricos, tirolesas, restaurantes, hospedagens e estacionamento para centenas de veículos são consideradas por especialistas como incompatíveis com o status de proteção integral dessas áreas.
Em Itaúnas, o plano de intervenção é dividido em cinco polos. O primeiro, próximo ao Hotel Barramar, terá duas pousadas de 15 quartos, um restaurante e estacionamento para 200 veículos. O segundo reúne intervenções na antiga foz do Rio Itaúnas, onde serão replicadas as estruturas e conectadas por trilhas suspensas. A sede do parque será reformulada com escritórios, alojamento para 16 pessoas e um centro de visitantes, além de um memorial sobre a vila soterrada, cafés e lojas, e uma tirolesa. Além desses, o projeto prevê transformações no Polo da Trilha dos Pescadores e na Praia do Riacho Doce.
No Parque Estadual Paulo César Vinha, as intervenções se dividem em dois núcleos. O primeiro, perto da portaria principal, Lagoa de Caraís e Mirante do Alagado, incluirá teleféricos, uma torre de tirolesa e trilhas suspensas. O segundo, que cobre o acesso secundário, abrangerá a Lagoa Feia e áreas alagadas, com a instalação de 28 glampings e bangalôs, decks flutuantes, uma piscina e um restaurante.
Além das unidades de Itaúnas e Guarapari, o Peduc engloba outros quatro parques estaduais: Cachoeira da Fumaça (PECF), em Alegre, e Forno Grande (PEFG) e Mata das Flores (PEMF), em Castelo, no sul do Estado; e Pedra Azul (Pepaz), em Domingos Martins, na região serrana.