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Comunidades de São Mateus buscam apoio para qualificar produção de aroeira

Produto é valorizado no mercado internacional, mas ainda não reflete em melhoria na renda das famílias extrativistas

Divulgação/Incaper

Um mercado internacional milionário, com faturamentos crescentes para os grandes exportadores, mas que ainda não resulta em melhoria de renda para os trabalhadores da base da cadeia produtiva. Esse é o cenário da produção da aroeira ou pimenta-rosa no norte do Espírito Santo, onde a atividade é desenvolvida há muitas gerações nas comunidades tradicionais de pesca artesanal.

O município de São Mateus é líder absoluto no Espírito Santo e também do país, já tendo figurado como o maior produtor do mundo. As famílias extrativistas, no entanto, ainda estão distantes dessa prosperidade, recebendo valores muito baixos pelo trabalho. Mudar esse cenário é o objetivo de lideranças locais que, juntamente com parceiros públicos e privados, têm investido na qualificação do processo produtivo e organização das famílias.

“Precisa ‘cair a ficha’ do Estado, que estamos trabalhando com sustentabilidade, com meio ambiente, e com uma atividade que vai tirar o povo da linha de pobreza”, afirma Reginaldo Castro da Silva, diretor presidente da Associação de Produtores de Aroeira do Espírito Santo (Nativa). Uma solicitação formal de apoio ao alto escalão do poder Executivo estadual está no horizonte da associação, considerando que as evidências da importância econômica do setor, em contraposição à fragilidade das famílias extrativistas, ainda não foram suficientes para um aporte robusto de investimentos e políticas públicas. “Aroeira é saúde, vida, é tudo”, declama.

A associação é a entidade representativa da Identidade Geográfica (IG) da pimenta-rosa no Espírito Santo, processo que é acompanhado pelo Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper) e seu GT Aroeira, coordenadora pela extensionista Fabiana Ruas, e pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). A finalização desse processo, para a conquista da IG, é aguardada desde meados do ano passado, quando foi realizado o I Festival Brasileiro de Pimenta-Rosa. “Enviamos a documentação de novo para o INPI [Instituto Nacional de Propriedade Industrial]. Estamos aguardando resposta”, relata Reginaldo.

Ele destaca também o apoio recebido do executivo municipal. “O prefeito [Daniel da Açaí – sem partido] assinou compra do nosso terreno, com 20 mil metros de área, e está com um projeto de viabilidade técnica com três galpões e área de lazer para a associação”, informa.

Enquanto isso, a entidade, com recursos próprios e de edital, investe na melhoria da sede atual, de forma a possibilitar o trabalho de destilação do óleo da aroeira. “Participamos de um edital e conseguimos cinco estufas para desidratar a semente. Do óleo dá para fazer sabonete, pomadas curativas, repelente, hidrolato…e com a pimenta seca, a gente consegue armazenar por mais tempo. Estamos tentando um contêiner também”, conta, acrescentando outras iniciativas, como um curso recente do Senai [Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial] para produção de medicamentos como xaropes e tinturas, conseguido via Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Mateus.

A ideia, explica, é continuar atendendo às grandes empresas, com a safra principal, de maio, mas também aproveitar a “safrinha” de dezembro, com a desidratação de parte da produção e com a utilização de materiais como folhas e galhos, que “ficam jogados”, e podem ser moídos para virar adubo, por exemplo. “Ter trabalho o ano inteiro”, profetiza, e melhor as técnicas de colheita e beneficiamento, pois hoje, as famílias “trabalham muito, mas entregam de qualquer jeito”, apesar de terem um produto de altíssima qualidade, livre de agrotóxicos, que é condição primordial para os mercados mais exigentes do ramo culinário, farmacêutico ou de cosméticos.

“A gente quer fazer um trabalho para que todas as comunidades contem sua história. Temos nosso Cete – Caderno de Especificações Técnicas. Hoje temos como ensinar como colher e tratar a pimenta-rosa e chegar até o consumidor final. São mais de trinta anos de tradição”, exulta. “A gente que quer ver acontecer, luta por isso todos os dias, tem muita esperança”.

Alternativa após crime

Tradição e esperança, ressalta, que se tornaram uma tábua de salvação após o crime da Samarco/Vale-BHP contra o Rio Doce. Impedidas de praticar a tradicional pesca artesanal, as comunidades costeiras atingidas viram na aroeira uma alternativa natural de trabalho e renda. “É uma das saídas para o atingido”, reconhece Reginaldo.

A importância da pimenta-rosa para as famílias atingidas ficou constatada em uma pesquisa realizada pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) – “Desenvolvimento regional e alternativas de sustentabilidade econômica para comunidades tradicionais pesqueiras e marisqueiras atingidas pelo desastre do rompimento da barragem do Fundão-MG, empresa Samarco, no município de Mariana-MG: o caso da produção de aroeira na zona costeira de São Mateus”. Foi realizada em oito comunidades costeiras: Barra Nova Norte, Barra Nova Sul, Tábuas, Campo Grande, Nativo, Ferrugem, São Miguel, Ilha Preta, Gameleira e Fazenda da Ponta.

No estudo, 86% das famílias entrevistadas se consideram pertencentes a comunidades tradicionais; 78% são pescadoras artesanais; 74% têm a pesca como principal renda familiar; 72% têm renda familiar inferior a dois salários mínimos; 72% colhem pimenta-rosa/aroeira; e 58% comercializam pimenta-rosa in natura.

A respeito do crime, 97,3% das famílias entrevistadas são atingidas; 86% estão impedidas de pescar devido à contaminação do mar e do rio; 44,6% estão impedidas de catar caranguejo, devido à contaminação do mar e do rio; e 59,3% afirmam que a produção de aroeira e pimenta-rosa está sendo uma alternativa econômica.

“A pesquisa tem objetivo de mostrar os elos dessa cadeia produtiva, as características sociais e culturais dessas comunidades que plantam e colhem a aroeira, ajudando a construir soluções para trabalho e renda das famílias”, pontua a coordenadora, Camilla dos Santos Nogueira.

Um aspecto que chamou atenção foi a baixa renda das famílias. Segundo a metodologia do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a renda de 72% delas, até dois salários mínimos (até R$ 2.090), as classifica como classes D e E, “que é de extrema pobreza”, sublinha.

Quando perguntadas em quanto a renda aumentou a partir da produção da aroeira, a maioria diz que aumentou pouco. “Isso indica que a forma como a cadeia produtiva está estrutura hoje impede que a renda das famílias seja maior. Eles colhem bastante, mas não conseguem uma renda significativa, porque se concentram ainda na venda da pimenta-rosa in natura, ao invés de seca, nem aproveitam os subprodutos”, explica.

“A pimenta-rosa tem um mercado muito consolidado, inclusive na exportação, com preços que sobem constantemente, mas a compra, das famílias extrativistas, ainda é feita com valor baixo”, observa. A solução, vislumbra, está mesmo no caminho que já é trilhado por entidades como a Associação Nativa. “A organização política das entidades é fundamental”, afirma.

Fundamental para o equilíbrio de forças diante do grande capital e também para garantir mais sustentabilidade ambiental, pois, sendo uma atividade tradicional nas comunidades pesqueiras, a produção da pimenta-rosa entre elas é impregnada de consciência ambiental. Uma preocupação marcante, relata Camila, é com a expansão de grandes plantios de aroeira. A solução para a melhoria da renda das famílias, concorda, não passa pelo aumento da área plantada, mas pela qualificação da colheita e beneficiamento do que já está na terra.

Supervisionado pela professora Simone Raquel Ferreira Batista, o projeto foi aprovado no edital Fapes/CNPq 11/2019 do Programa de Desenvolvimento Científico e Tecnológico Regional (PDCTR) e tem apoio do Incaper. Todo o trabalho de campo foi realizado com a participação de estudantes da Licenciatura em Educação do Campo (Ledoc), da Ufes em São Mateus, da graduação em Ciências Econômicas da Ufes, e do Ifes São Mateus participantes do projeto “Fortalecimento de ações comunitárias de pequenos produtores de Pimenta Rosa no Distrito do Nativo em São Mateus – ES”, coordenado pelo professor Albeniz de Souza Junior.

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