A empresa Design 16 SPE LTDA avança cada vez mais com a construção de um condomínio de luxo no Morro de Guaibura, localizado na região da Enseada Azul, em Guarapari, região metropolitana do Estado. Entretanto, duas novidades recentes deram esperança para os movimentos de luta contra os impactos ambientais e culturais do empreendimento: a federalização de uma ação civil pública (ACP) e notificações de embargo das obras emitidas pelo Conselho Estadual de Cultura (CEC).
Em sessão realizada nessa quarta-feira (28), desembargadores da 5ª Turma Especial do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) decidiram, por unanimidade, que a 4ª Vara Federal Cível de Vitória tem competência para julgar o caso. O teor da decisão ainda não foi divulgado. A ação é de autoria da Organização Não Governamental (ONG) Gaya Religare, uma das associações que luta contra o condomínio.
No último dia 27 de junho, o juiz Luiz Henrique Horsth da Matta, da 4ª Vara Federal Cível de Vitória, havia decidido que a Gaya Religare não tem legitimidade para entrar com ações relacionadas à defesa dos direitos indígenas, um dos principais argumentos para a federalização – as tradições locais da comunidade podem ter relação com a existência do povo indígena Borum M’nhang Uipe, conforme pesquisa realizada pela militante Potira de Almeida.
Entretanto, a procuradora Gabriela de Góes Anderson Maciel Tavares Câmara, do Ministério Público Federal (MPF-ES), deu parecer confirmando que o caso envolve, sim, possível violação a direitos indígenas, havendo a necessidade de tramitar em âmbito federal. A 5ª Turma Especial do TRF-2, portanto, deu a palavra final sobre o conflito de competência.
Já o Conselho Estadual de Cultura aprovou por unanimidade, em reunião ordinária realizada no último dia 15 de agosto, a emissão de notificações de embargo das obras direcionadas à empresa e à Prefeitura de Guarapari. A medida é baseada na Resolução 03/1991 do CEC, a respeito do tombamento da Mata Atlântica como bem de valor paisagístico, científico, histórico e cultural, além de outras leis federais e estaduais sobre o mesmo tema. Mas, por enquanto, ainda não foi cumprida. Militantes da causa se mobilizam para tomar as medidas cabíveis.
A manifestação do conselho se deu após solicitação do secretário municipal de Turismo, Empreendedorismo e Cultura de Guarapari, Edgar Behle, e envolve também o Morro do Judeu, outra área de Guarapari visada pela especulação imobiliária.
O CEC já havia notificado extrajudicialmente a Prefeitura de Guarapari, em 27 de janeiro de 2023, a respeito do licenciamento em curso do empreendimento imobiliário, ressaltando que o Morro de Guaibura é tombado como patrimônio natural cultural. A notificação inclui um parecer de 2011 do Conselho, que também informava à administração municipal sobre o tombamento do local.
O Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) também indeferiu pedido de licenciamento de empreendimento em Guaibura em 2005. Em 2007, após vistoria no local, o órgão sugeriu à prefeitura que tomasse medidas mais efetivas para a manutenção da Área de Preservação Permanente (APP).
A própria Prefeitura de Guarapari reconheceu, em ofício à Gaya Religare, em 2011 (processo número 17454/11, da Secretaria Municipal de Planejamento Rural e Urbano, Semprad), que os morros do Judeu e de Guaibura estão incluídos entre os bens naturais tombados.
Mesmo assim, a Prefeitura de Guarapari e o Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo (Idaf) emitiram licenças para supressão de vegetação e instalação do condomínio Manami Ocean Living – o Iema contesta o licenciamento.
O resultado disso tem sido a destruição de ecossistemas, como mangue-branco e olho d’água, e morte de animais silvestres, incluindo espécies ameaçadas de extinção. Fotos da construção mostram a utilização de britadeiras para furar o costão rochoso e erguer colunas. O dano causado poderá levar décadas para ser revertido.
Com o cerceamento da área, a população local, que sempre utilizou o morro como bem comum, não consegue mais entrar. A Mitra Arquidiocesana de Vitória teve que acionar a Justiça para conseguir o direito de acessar uma parte da área que é de sua própria propriedade.