ONG tenta cassação judicial de licença para instalação de empreendimento em Guarapari
A empresa Design 16 SPE LTDA, responsável pela instalação do condomínio de luxo Manami Ocean Living, cercou com tapumes, neste mês, parte do Morro de Guaibura, que fica na Enseada Azul, em Guarapari, na Região Metropolitana do Estado. Com isso, o acesso de moradores ficou parcialmente restrito no morro.
A Organização Não Governamental (ONG) Gaya Religare pleiteou tutela de urgência para a suspensão do alvará de instalação, no âmbito de uma ação civil pública contra o empreendimento. Entretanto, em decisão publicada nessa quinta-feira (15), o juiz Gustavo Marçal da Silva e Silva, da Comarca de Guarapari, não acatou a alegação de “fato novo” com relação à instalação das cercas.
Segundo Potira de Almeida, moradora da região e integrante da Gaya Religare, além de o acesso ao Morro de Guaibura estar bastante restrito, seguranças do empreendimento marcam presença para vigiar quem sobe até o local. “Cortaram muitas árvores frutíferas, como as de araçá e pitanga, que nós mesmos comíamos e também serviam de alimento para espécies de animais, como saguis, sabiás da praia e muitos outros”, relata.
A Gaya Religare ingressou com a ação civil pública em 29 de novembro de 2023 na Justiça estadual. Logo depois, o juiz sinalizou que a competência seria federal, e a ONG desistiu da ação para ingressar novamente nessa esfera. Entretanto, o processo acabou retornando para a esfera estadual.
Em sua manifestação no processo, a Procuradoria-geral do Município de Guarapari alegou que a licença dada pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Agricultura (Semag) foi condicionada à não intervenção em área de mangue, respeitando distanciamento de 30 metros, e apresentação de autorização do Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal (Idaf). Já a condicionante para o corte de vegetação foi a “adoção de medidas mitigadoras e compensatórias”.
A Design 16, por sua vez, argumentou, em sua contestação, que apenas uma pequena parte do Morro de Guaibura delimitada pelo Idaf corresponde à Área de Preservação Permanente (APP), com restinga e manguezal. A empresa também refutou argumentações da Gaya Religare sobre alterações no zoneamento urbano de Guarapari, que reclassificaram o Manami, bem como possíveis impactos no abastecimento de água na região, tendo em vista os constantes problemas registrados no município.
Já o promotor de Justiça Otávio Guimarães de Freitas Gazir acusou a Gaya Religare de produzir “factoides” – incluindo citação a uma matéria de Século Diário, noticiando acionamento da polícia para coibir desmatamento – e de tentar instrumentalizar a Justiça. Ele criticou, ainda, a Associação de Moradores da Enseada Azul (Ameazul), que também impetrou Ação Civil Pública sobre o tema.
“Em que pese conhecedores do pleno licenciamento do empreendimento e, portanto, da inexistência do crime imputado à empresa demandada e seus representantes ou prepostos, o que se constata é o indevido acionamento e a indevida imputação de crime a quem se sabe inocente, visando também a produção de factoides em redes sociais. (…) O conjunto da obra opera no sentido da falta de credibilidade das alegações da autora”, escreveu o promotor.
Em resposta posterior, a Gaya Religare informou que a matéria citada pelo promotor não apresenta inverdades, e ressaltou que há informes publicitários sobre o Manami em quase todos os principais veículos de imprensa do Estado – alguns deles sem destacar sua natureza publicitária -, sem que isso tenha chamado a atenção do representante do Ministério Público. A ONG também condenou o tom adotado por Otávio Guimarães, o qual classificou como “um possível desvio ético”.
Ao contrário da argumentação do empreendimento, a Gaya considera que não apenas uma parte, mas todo o Morro de Guaibura deve ser preservado, e reiterou, em ofício de resposta às alegações, o pedido para suspensão da autorização de supressão em caráter de urgência.
A ONG também solicitou ao juiz do caso: elucidação das competências administrativas e jurídicas do processo; convocação da Secretaria de Estado da Cultura (Secult-ES) para que se manifeste acerca do tombamento cultural do Morro de Guaibura; convocação da Defensoria Pública para a defesa concomitante do meio ambiente coletivo; e provocação ao MPES para comprovar todas as acusações apresentadas.
Funai
Ainda resta a Fundação Nacional do Povos Indígenas (Funai) se manifestar. Isso porque, durante o ano de 2023, a Gaya Religare realizou um estudo das origens ancestrais da comunidade, que está há mais de cem anos fixada na península de Guaibura, mantendo práticas tradicionais de pesca, artesanato, coleta de frutas e pequenas plantações. O Morro de Guaibura, por sua vez, é considerado um local sagrado, de culto.
Segundo a ONG, até os anos 1970, a comunidade era chamada de Aldeia Guaibura, mas teve o nome trocado por conta do processo de desagregação indígena promovido pela ditadura militar. Baseada no estudo, a Gaya Religare solicitou à Funai e ao Ministério dos Povos Indígenas (MPI) um estudo antropológico e o reconhecimento da comunidade Borum M’nhag Uipe em Guaibura. O processo, iniciado neste mês de janeiro, está em tramitação, e uma equipe da Funai deverá ser enviada ao local em breve.
Impactos e denúncias
Desde agosto de 2023, a Gaya Religare já enviou, pelo menos, 20 cartas-denúncia a diversos órgãos de proteção ambiental, a nível municipal e estadual. A organização também registrou boletins de ocorrência (BOs) a respeito de desmatamento no Morro de Guaibura. Além disso, a Comissão Permanente de Meio Ambiente, Agricultura e Pesca da Câmara de Vereadores de Guaraparisolicitou a suspensão imediata do licenciamento do Manami ao prefeito Edson Magalhães (PSDB).
A instalação do Manamí ocasionou um processo de desmatamento iniciado em dezembro passado, e a fauna e a flora do Morro de Guaibura já começou a ser afetada. Animais silvestres como capivara, teiú e ouriço apareceram mortos na Praia da Guaibura.