Ocorre que, em Santa Maria de Jetibá, os remanescentes florestais também somam cerca de mil hectares, mas estão isolados entre si, separados por áreas agrícolas, que impedem ou dificultam bastante o fluxo de fêmeas.
Fêmeas solitárias
O comportamento das fêmeas de muriqui é uma exceção entre os símios, sendo elas as responsáveis por buscarem um outro grupo onde possam se reproduzir sem os problemas da consanguinidade. Mas, devido ao isolamento dos fragmentos florestais, as fêmeas que deixam seu grupo natal, muitas vezes, não conseguem encontrar outro grupo, passando a viver isoladas. É o fenômeno das “fêmeas solitárias”, que só pode ser resolvido de duas formas: a curto prazo, realizando a translocação das fêmeas; ou, a médio e longo prazo, através da reconexão dos blocos de mata, criando corredores ecológicos.
Ao comparar os dados de Caratinga e Santa Maria, o objetivo, segundo o professor-doutor Sérgio Lucena Mendes ((Zoologia/Universidade Federal do Espírito Santo – Ufes) e diretor do Instituto de Pesquisas da Mata Atlântica (Ipema), é discutir as consequências e perspectivas da proteção de populações de muriqui com essas diferenças de habitat.
A professora-doutora do Departamento de Antropologia da Universidade de Wisconssin-Madison, Karen B. Strier, coordena as pesquisas com a espécie em Caratinga e conta que, em 1983, quando os trabalhos se iniciaram, havia apenas cerca de 50 muriquis. É ela quem vai apresentar os dados comparativos no Congresso.
“Sou otimista, mas precisamos manter nossa vigilância e esforças e realizar o que é necessário para segurar o futuro destas duas e das outras populações do muriqui-do-norte. Também precisamos estar preparados para os desafios das mudanças climáticas, que podem secar as matas que os muriquis precisam”, afirma Karen.
Enquanto na RPPN da família Abdala, os muriquis precisam que o bloco florestal protegido seja ampliado para abrigar sua população em crescimento, em Santa Maria de Jetibá é preciso interferir na paisagem e na intimidade das famílias agricultoras, para que elas, já grandes parceiras da conservação, permitam a realização de trabalhos de recuperação florestal mais direcionados.
Viva a Agricultura Orgânica
Para tornar mais eficiente esse trabalho, o Ipema trabalhou na elaboração de um Plano de Manejo para os muriquis na região Centro-Serrana, onde estão identificados os pontos mais promissores para regeneração ambiental, que permitirão a reconexão florestal de forma mais rápida.
Lucena destaca que o Plano de Manejo é um dos resultados do Plano de Ação Estadual do Muriqui-do-norte (PAE Muriqui), lançado em 2014, após um amplo processo de elaboração, que teve a participação de diversos órgãos dos governos federal, estadual e municipais, além de universidades e ONGs ambientais.
A primeira iniciativa de reflorestamento em propriedade particular está sendo discutida com um produtor orgânico do município, da família Berger, descendente de pomeranos. A agricultura orgânica em Santa Maria de Jetibá é uma das maiores aliadas dos muriquis e da floresta, porque o aumento da cobertura florestal no município é resultado da redução dos plantios de café e do abandono da atividade pecuária, há 40 anos. Voltada mais para a horticultura e granjas, a economia local tornou-se mais diversificada e mais ambientalmente amigável.
No entanto, persistem dois graves problemas: a poluição dos corpos hídricos por agrotóxicos e resíduos de granjas e a ocupação de Áreas de Proteção Permanente (APPs), em fundos de vales e margens de rios e córregos. É que menos de 5% da agricultura local é orgânica. Nas demais propriedades, o uso de agrotóxicos é muito intenso, bem como o de substâncias poluentes nas granjas convencionais. As poucas propriedades orgânicas não só libertam o solo e as águas dessas substâncias tóxicas, como também são mais receptivas ao atendimento legal de preservação das APPs e à implementação de projetos de recuperação florestal.
Exemplo de comportamento para o ser humano
Em paralelo ao estabelecimento dos corredores ecológicos, o Ipema tem investido na translocação de fêmeas solitárias. Apesar de ser uma operação muito custosa e com resultados muito pontuais, há casos em que é a única solução, a curto prazo, para evitar a consanguinidade num grupo e impedir que uma fêmea seja perdida, do ponto de vista ecológico, sem conseguir se reproduzir. Uma primeira translocação foi feita em 2005 de forma bem-sucedida. A fêmea foi bem recebida no novo grupo e já teve tem crias, estando todos saudáveis. Uma segunda translocação deve ser realizada ainda em 2016.
O muriqui-do-norte é uma espécie endêmica da Mata Atlântica e com grau máximo de ameaça de extinção, estando Criticamente em Perigo em níveis estadual, nacional e internacional. A área de ocorrência, hoje, vai do sul da Bahia até o sul do Espírito Santo, envolvendo uma estreita faixa ao leste de Minas Gerais, nas divisas com a Bahia, o Espírito Santo e o Rio de Janeiro. Estima-se que a maior população da espécie viva na porção capixaba da Serra do Caparaó, mas ainda não foi totalmente identificada.
Vegetariano e com comportamento social e sexual muito peculiares, os muriquis são macacos muito carismáticos e com índole extremamente pacífica, que chama atenção dos pesquisadores. “A tranquilidade dos muriquis deixa a gente até mais motivado para trabalhar com objetivo da conservação dessa espécie, que penso servir como um modelo de comportamento, que pode ensinar muito para o ser humano”, elogia Karen.