O pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública (Fiocruz), Paulo Barata, publicou artigo homenageando o cronista capixaba Rubem Braga. Em 1959, Rubem Braga publicou A Tartaruga, em que relatava a decisão de um comerciante de proteger o animal.
Agora, Paulo Barata rende homenagem ao cronista com o título Literature and Conservation: “The Turtle”, A Short Story by the Brazilian Writer Rubem Braga.
Ambientalistas comemoram. Ao encaminhar o artigo do pesquisador a uma amiga, diz Cecília Baptistotte, da Coordenação Regional Espírito Santo do Projeto Tamar-ICMBio: “achei muito bacana”.
Segundo o Projeto Tamar, que publicou texto sobre o artigo, com o título
Crônica de Rubem Braga antecipou atitude conservacionista no Brasil de 1959, o jornalista e escritor capixaba, no final da década de 50, à frente do seu tempo, uniu literatura e conservação.
“Inexistiam leis que protegessem as tartarugas nessa época, consideradas recurso alimentar como todos os animais marinhos, e em cardápio de restaurante do Rio de Janeiro havia prato do dia com “sôpa fresca de tartaruga de 300 anos”, lembra o Tamar, acrescentando que muitos dos temas abordados por Rubem Braga surgiram de sua parceria e amizade, por mais de 27 anos, com o naturalista brasileiro, e também capixaba, Augusto Ruschi, um dos pioneiros na conservação do Brasil.
No texto, o Tamar afirma ainda que o jornalista produziu outras crônicas sobre uma variedade de temas relacionados à natureza, como o desmatamento, a extinção de algumas espécies e a seca dos rios, em épocas em que legislação e consciência pública sobre problemas ambientais existiam em níveis bem inferiores aos atuais.
“O autor nota que, a longo prazo, o alicerce para o contínuo compromisso da sociedade em preservar as tartarugas marinhas seja possivelmente a realização de um elevado grau de conscientização do público sobre o valor de protegê-las e seus habitats. E segue: “segundo Barata, a crônica 'A Tartaruga' foi a contribuição mais antiga e tocante de Rubem Braga para a formação de uma consciência coletiva de cuidado com esses animais até hoje ameaçados de extinção”.
O artigo de Paulo Barata está, na íntegra (em inglês), na Marine Turtle Newsletter No. 144, 2015.
Moradores de Copacabana, comprai vossos peixes na Peixaria Bolívar, Rua Bolívar, 70, de propriedade do Sr. Francisco Mandarino. Porque eis que ele é um homem de bem.
O caso foi que lhe mandaram uma tartaruga de cerca de cento e cinquenta quilos, dois metros e (dizem) duzentos anos, a qual ele expôs em sua peixaria durante três dias e não quis vender; e levou até a praia, e a soltou no mar.
Havia um poeta dormindo dentro do comerciante, e ele reverenciou a vida e a liberdade na imagem de uma tartaruga.
Nunca mateis a tartaruga.
Uma vez, na casa de meu pai, nós matamos uma tartaruga. Era uma grande, velha tartaruga-do-mar que um compadre pescador nos mandara para Cachoeiro.
Juntam-se homens para matar uma tartaruga, e ela resiste horas. Cortam-lhe a cabeça, ela continua a bater as nadadeiras. Arrancam-lhe o coração, ele continua a pulsar. A vida entranhada nos seus tecidos com uma teimosia que inspira respeito e medo. Um pedaço de carne cortado, jogado ao chão, treme sozinho, de súbito. Sua agonia é horrível e insistente como um pesadelo.
De repente os homens param e se entreolham, com o vago sentimento de estar cometendo um crime.
Moradores de Copacabana, comprai vossos peixes na Peixaria Bolívar, de Francisco Mandarino, porque nele, em um momento belo de sua vida vulgar, o poeta venceu o comerciante. Porque ele não matou a tartaruga.
Rubem Braga, Rio de Janeiro, julho de 1959”.