“Para abastecer o crescente consumo de papel no norte, as monoculturas químicas de eucalipto de rápido crescimento vêm devastando ecossistemas, secando e contaminando as águas e expropriando os territórios de comunidades tradicionais no Espírito Santo, no Brasil e na América Latina”, diz a carta da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase) e da Rede Latino-Americana contra os Monocultivos de Árvores (Recoma).
O dia 21 de setembro, celebrado como Dia da Árvore por anteceder o início da primavera, também é lembrado como Dia Internacional de Luta contra os Monocultivos de Árvores. Foi por isso que agricultores, pescadores e trabalhadores do meio urbano se uniram nessa sábado (21) no quilombo de Linharinho, em Conceição da Barra, litoral norte do Espírito Santo.
Num ato mais do que simbólico, plantaram cerca de 750 mudas de árvores nativas e frutíferas justamente ali ao lado de onde está o eucalipto que serve para abastecer a empresa Suzano (ex-Fibra e ex-Aracruz Celulose).
Os quilombolas da região do Sapê do Norte sabem bem os impactos do plantio de eucalipto em larga escala e com monocultivo. Viram as matas nativas serem derrubadas e logo suas nascentes, córregos, rios e lagoas secarem. Também são afetados pelo impacto do uso generalizado de agrotóxicos, necessários para sustentar esse tipo de monocultivo e extrair o maior lucro possível.
Gessi Cassiano foi a anfitriã do evento, apresentando aos visitantes a construção de pau-a-pique, de forma comunitária e usando a tecnologia ancestral para vai servir como Ponto de Memória na comunidade. Recuperar o território implica também recuperar a memória. Ela lembra que antigamente não havia igrejas nem pastores ou padres nas comunidades. Os “antequeridos”, palavra com que ela se refere aos antepassados, faziam suas orações de agradecimento em casinhas de barro e sapê como aquela recém-construída. Plantio, memória e espiritualidade estão em profunda conexão.
“Precisamos pensar um pouco na nossa mãe terra, estamos vendo que nossos governantes ainda não estão acreditando mesmo na realidade.”, diz Dona Gessi. O foco da conversa foi para as crianças e jovens da região. “Foi momento para mostrar para as crianças que a gente tem que lutar contra a monocultura do eucalipto porque acabou com nossas nascentes e matas, coisas que eles não vão ver mais se a gente não lutar. A monocultura não dá oportunidade para nós, ela tira oportunidade de convivência, de lazer das crianças em contato com a natureza”.
Dona Gessi entende que não adianta retirar os eucaliptos de perto das comunidades se ele for levado para outros lugares para provocar os mesmos danos. Também entende que o debate não pode ficar restrito às comunidades rurais, é preciso envolver também as pessoas do meio urbano nessa luta pela vida.
O monocultivo de eucalipto para produção de celulose afeta diretamente o Espírito Santo, mas também há outras plantações de árvores impactando em outros estados e países do mundo, com finalidade de produção de madeira, óleo de dendê, borracha, energia e outros.
No Dia da Árvore é bom lembrar sempre então o que vamos celebrar. Qualquer árvore? Devemos o que comemorar com essas árvores escravizadas para o monocultivo que gera morte e envenenamento das matas, águas e animais? Ou apenas árvores nativas, os reflorestamentos e as agroflorestas que permitem proteger a vida em todas suas formas vegetais, animais e minerais.
Dona Gessi sabe bem a resposta. Plantou mudas nativas no sábado, as regou no domingo e acordou na segunda-feira com um presente abençoado: a chuva veio por fim, trazendo do céu o que as plantas dali tanto precisam para voltarem a reinar em seu território, forçadamente ocupado por árvores exógenas para alimentar os lucros de estrangeiros.