Morador da comunidade de São Domingos, Berto é o guardião da nascente do Córrego Samambaia, que deságua no córrego que dá nome à localidade onde a família vive a um tempo já secular. “Secou tudo, não tem nenhum córrego mais, só esse meu aqui”, informa, seguramente.
O Samambaia, quando deságua no São Domingos, encontra o mesmo destino dos demais centenas de córregos da região: seca tudo, não resistem ao exército de eucaliptais, cujas raízes buscam água muito profundamente no solo, sobrevivendo à aridez mortal que eles mesmos produzem.
“Daqui a até São Mateus secou tudo. Só tem água no lugar das cana, nos eucalipto secou tudo. No lugar dos eucalipto não tem nenhum. São Mateus não tem nenhum, Santana, tudo seco. São Domingos e Santana eram os maiores que tinha, tá tudo seco”, narra.
A resistência tem lhe custado muito esforço, perseverança, investimento de tempo e dinheiro. Por duas vezes as papeleiras – hoje seu principal algoz, além da Aracruz Celulose, é a empresa Donati, que está substituindo o antigo canavial por eucaliptos – cortaram a cerca que delimita sua propriedade do deserto verde das multinacionais.
Berto conta que elas alegam a propriedade do chão onde vive a família Florentino desde tempos remotos e, assim, destroem plantações, obrigando o velho brincante do Ticumbi, e plantador de água do Sapê, a comprar arame, reerguer a cerca e replantar seus abobrais e outras lavouras de subsistência.
“Agora estão colocando veneno por avião!”, indigna-se o líder quilombola, admirado com a “novidade”. “Arriscado cair até na água que a gente bebe, cair nas vistas da gente”, alerta.
Outra ação recente que o preocupa é o replantio que vem sendo feito pelas empresas em algumas regiões. “Eles replantam, mas vem uma ‘venenada’ danada. De primeiro aqueles correguinho, você olhava, às vezes tinha umas piabas, umas berezinha no fundo d' água, você olhava pra ela, ela ‘tava’ com os olhos igual uma lanterna, um farol de carro, empesteada com veneno”, conta.
Veneno extra também está sendo aplicado nos pés das jaqueiras e árvores de dendê. “Dendê, jaqueira, esses trem tudo era comida dos bichos do mato. Eles estão matando os dendê porque ‘tão’ dizendo que os dendê que tão secando os córregos. E os bichos, que já não tem o que beber agora também não tem o que comer”, lamenta.
Nesse momento difícil no Sapê do Norte, quando até dos céus caem infernais venenos dos algozes dos quilombolas, o guardião do Ticumbi faz um apelo: “Que o pessoal da lei venha olhar aqui. Pelo meu [córrego São Domingos], eles vão ver que é o eucalipto que seca tudo e vão saber como era antigamente”, convida.