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Corte Inglesa reabre ação de R$ 35 bilhões em favor de 200 mil atingidos

Decisão histórica no Reino Unido pode influenciar os rumos da repactuação iniciada no Brasil pelo CNJ

Leonardo Sá

Uma decisão histórica na Justiça do Reino Unido reabriu a ação de R$ 35 bilhões (cinco bilhões de libras) impetrada em 2018 contra a BHP, empresa britânica que controla a Samarco, juntamente com a Vale. As três mineradoras são as responsáveis pelo rompimento da Barragem de Fundão, ocorrido em cinco de novembro de 2015 em Mariana/MG, considerado o maior crime ambiental do Brasil e um dos maiores da mineração mundial.

A ação defende os direitos de 200 mil atingidos no Espírito Santo e Minas Gerais, 25 governos municipais brasileiros, 530 empresas, uma arquidiocese católica e membros da comunidade indígena Krenak.


A reabertura foi permitida nesta terça-feira (27), graças à sentença publicada por um painel de juízes, com base na legislação de recursos excepcionais (CPR 52.30), “a fim de evitar injustiças reais”.

Os três magistrados – Lord Justice Geoffrey Vos (o Master of the Rolls, Chefe da Divisão Civil do Court of Appeal), Lord Justice Nicholas Underhill (Vice-presidente do Court of Appeal) e Lady Justice Sue Carr – integram um órgão colegiado dentro da Corte de Apelação do Reino Unido e foram unânimes em aprovar a retomada da ação.

O caso havia sido impedido de tramitar na justiça inglesa duas vezes pelo mesmo juiz: a primeira, em novembro de 2020, e a segunda em março passado, sob o mesmo argumento de que era “impossível de gerenciar” (ou “unmanageable”, na sentença original, em inglês).

Tom Goodhead, advogado e sócio do PGMBM, escritório de advocacia internacional que representa as vítimas, disse que “este é um julgamento monumental” e que, depois de ver o caso ser encerrado em março, “é incrivelmente recompensador” poder acreditar que as vítimas terão “uma reparação satisfatória nos tribunais ingleses”.

O processo contra a BHP, agora retomado, contextualiza Tom Goodhead, tem precedentes recentes, incluindo “a decisão da High Court no caso contra a Vedanta na Inglaterra, por ter afetado moradores da Zâmbia com poluição causada por uma de suas empresas, ou então a decisão que pode levar a Shell a ser processada nos tribunais ingleses por ter afetado comunidades nigerianas com as operações da empresa por lá”.

Custo x benefício
Pedro Luiz Andrade, coordenador das ações do PGMBM no Espírito Santo, reforça o ineditismo da decisão. “Nos últimos 60 anos, é a primeira vez que um recurso de permissão para apelar com base na regra 5230 do código de processo civil inglês foi aceito”.

Agora, conta, será feita uma apelação para que a Corte julgue finalmente o mérito da ação. Isso porque, nas duas primeiras tentativas, o juiz havia feito uma análise técnica do ponto de vista jurídico e considerou que o julgamento do caso seria desperdício de tempo e dinheiro, aceitando os argumentos da BHP de que as vítimas já vinham sendo atendidas no Brasil.

O coordenador explica que essa dupla rejeição inicial tomou por base uma espécie de teste de eficiência que a Justiça inglesa faz, antes de analisar o mérito das ações impetradas, em que os juízes comparam os custos – calculados em horas de trabalho da Justiça – com os possíveis benefícios que as vítimas possam vir a conseguir. “Toda ação gera um custo para o Estado e essa ação envolve 200 mil pessoas, é a maior da Inglaterra”, destaca.

Nesse teste de eficiência, prossegue o advogado, enquanto o primeiro juiz entendeu que os custos seriam mais elevados que os benefícios para as vítimas, a Corte avaliou de forma diametralmente oposta, de que “os benefícios superam os problemas ou desafios que a Corte vai ter para fazer o gerenciamento de um caso complexo como esse”, destaca Pedro.

De fato, no julgamento feito pela Corte, os três juízes concluíram que “embora compreendamos totalmente as considerações que levaram o juiz a sua conclusão de que a ação deve ser rejeitada, acreditamos que a apelação tem uma perspectiva real de sucesso”.

Novos rumos para a repactuação no Brasil
Pedro pondera ainda que essa reabertura do caso pode influenciar os rumos da reparação dos danos executada pela Fundação Renova no Brasil, incluindo o processo de repactuação da governança conduzida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

“A retomada na Inglaterra pode ser educativa para que a Renova e seus parceiros concluam os acordos em andamento, realizem proposta em acordo com o curso da ação internacional, condizente com a devida reparação das vítimas, e revise a estrutura do processo simplificado de indenização no Brasil, que atualmente seleciona os advogados que terão os benefícios de concluir os seus acordos em detrimento de outros”, expõe.

Há situações esdrúxulas, relata, de advogados que entraram com processo simplificado em janeiro e estão com os mesmos parados até hoje. “Não andam, a Renova não disponibiliza pessoas para atendimento individual dos advogados, somente um único telefone que existe para criar um número de protocolo, que passa meses sem resposta. Só andam os processos de advogados que têm relação próxima ou íntima com a Fundação”, aponta.

O mais grave, acrescenta, é que mesmo as indenizações que conseguem ser concluídas, não são suficientes para a reparação do dano e ainda são feitas mediante a aceitação pelos atingidos, da cláusula de quitação geral de todos os danos, aspecto que vem sendo denunciado pelos órgãos de Justiça brasileiro como ilegal nos contratos indenização, já que tenta impedir que as vítimas entrem com outros processos futuros contra as empresas, mediante a identificação de outros danos, ainda não indenizados.

A ilegalidade também ocorre no âmbito de ações internacionais, ressalta Pedro. “A gente não reconhece um acordo extrajudicial feito no Brasil como suficiente para inviabilizar a tutela de direitos de uma vítima numa ação no Reino Unido”, pontua.

Reparação insuficiente
As alegações sobre a reparação insuficiente alcançada até agora são corroboradas pelo relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU), Baskut Tuncak, cujo relatório de 2020 alegou que os responsáveis pelo crime não conseguiram apoiar ou indenizar efetivamente as vítimas, destacando especificamente as insuficiências da Fundação Renova, criada pelas próprias empresas envolvidas para dar assistência às vítimas.

“Após o desastre, a BHP e [os parceiros] Vale se apressaram em criar a Fundação Renova, para fornecer às comunidades afetadas um remédio eficaz. Infelizmente, o verdadeiro propósito da Fundação Renova parece limitar a responsabilidade da BHP e da Vale, ao invés de fornecer qualquer aparência de um remédio eficaz. As deficiências institucionais estão bem documentadas na literatura e no litígio. Hoje, nenhum dos 42 projetos foram retirados do papel”, afirmou, na ocasião, Baskut Tuncak.

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