A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Pó Preto da Assembleia Legislativa (Ales) tem duas dúvidas, principalmente. Uma, se sugere o indiciamento criminal da Vale pelos danos contra a vida humana e ao ambiente, pela poluição que produz. Outra, se responsabiliza com todas as letras o Ministério Público Estadual (MPES) pela omissão que redundou no licenciamento ambiental para a construção da 8ª usina da Vale. Tal licença tornou insuportáveis os níveis de poluição do ar na Grande Vitória.
Mas oficialmente, não é nada disso. A CPI informa que o seu relatório final será divulgado no dia 14 próximo, às 9 horas. O relatório seria divulgado nesta quarta-feira (2), mas a comissão se deu um novo prazo. Também prorrogou o seu prazo de validade, que vencia no dia 4: tem mais 15 dias.
Ainda na versão oficial, segundo o deputado Gilsinho Lopes (PR), membro efetivo da comissão, o adiamento foi necessário para que se fizesse a análise de documentos enviados pelo Instituto Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) à CPI.
Em entrevista, Gilsinho Lopes confirmou a versão divulgada no site da Assembleia. Há cheiro de pizza no ar? Não, disse o deputado. E pressão sobre os parlamentares vindo do governo e do MPES? Também não, afirma. Então, o por quê do adiamento da conclusão do relatório? As respostas feitas pela CPI, que chegaram e precisavam ser analisadas.
Único dos deputados membros da CPI do Pó Preto considerado independente do governo, Gilsinho Lopes faz aposta em um relatório competente, que atenda aos anseios da sociedade. Os moradores não aguentam mais o pó preto, as doenças que provoca e os prejuízos econômicos que sofrem. Traduzindo, se os parlamentares não cumprirem suas responsabilidades, perdem credibilidade.
Desde o início, face o processo de sua criação, a CPI do Pó Preto foi apontada como “chapa branca”, como é conhecida uma CPI que atue em defesa do governo. No caso, o objetivo seria blindar o governador Paulo Hartung (PMDB) de críticas por ter licenciado a 8ª usina da Vale no Planalto de Carapina, quando os moradores da Grande Vitória já não aguentavam mais a poluição do ar.
A CPI é formada pelo deputado Rafael Favatto (PEN), presidente; Erick Musso (PP), vice-presidente; e Dary Pagung (PRP), relator. Tem como membros efetivos Euclério Sampaio (PDT) e Gilsinho Lopes (PR).
Dilemas
Os deputados trabalham com uma espada sobre suas cabeças. A CPI do Pó Preto da Câmara de Vitória produziu antes o seu relatório, com denúncias consideradas contundentes. Apontou a omissão do MPES em fiscalizar as empresas e inclusive por facilitar a Vale no licenciamento de sua oitava usina. Também, em tradução livre, disse que o Instituto Estadual de Meio Ambiente (Iema) não serve para nada. Ou melhor, é facilitador para as poluidoras Vale, ArcelorMittal e Samarco.
A posição avançada da CPI municipal não pode ser assegurada se um relatório contundente não for produzida pela CPI da Ales. Mas quais seriam os seus termos? Como seriam as cobranças?
O advogado Nelson Aguiar, que se fez estudioso da poluição do ar, acompanha atentamente o desenrolar da CPI do Pó Preto. Disse estar informado de que há empenho do MPES para que a CPI do Pó Preto não cobre, pesadamente, do órgão. Foi o promotor Marcelo Lemos, que é responsável pela área ambiental, que se omitiu em atender as exigências da sociedade civil para cobrar, na Justiça, que a Vale fosse responsabilizada pelos seus crimes ambientais.
Pior, o MPES acabou fiador do acordo que levou às condições que permitiram o licenciamento da oitava usina da Vale, quando assinou um Termo de Compromisso Ambiental (TCA) – e não um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) – pela empresa. O TCA de nada serve juridicamente neste caso. Se aplica em outras situações, em acordo sobre débitos entre pessoas, cita o advogado.
Era tudo que o governo precisava para licenciar a oitava usina, mesmo contrariando manifestação expressa da população em audiências públicas. Com isso, o governador Paulo Hartung estava em condições de pagar sua conta com a empresa, que financiou com R$ 1 milhão uma de suas campanhas eleitorais, o que faz sistematicamente em eleições.
Nelson Aguiar critica o MPES, assinalando que o seu representante tem de sair “com a cabeça no meio das pernas” nas discussões sobre questões ambientais. Ele disse que foi informado de que há uma divisão na CPI, que debate ainda se denunciará criminalmente a Vale pelos danos à saúde e ao ambiente com os poluentes que emite. E se dá clareza sobre a omissão do MPES em relação a seus deveres em relação ao ambiente e à saúde, o que aponta ainda para um outro setor do Ministério Público, que deveria agir juntamente com a área ambiental, e não o faz.