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CPI vai apurar denúncias sobre indenizações a indígenas pela Renova

Associação apresentou, na Assembleia Legislativa, irregularidades e divergências em estudos de impacto às comunidades

Os deputados Alexandre Xambinho (PSC), Marcelo Santos (Podemos) e Marcos Garcia (PP) conduziram a reunião da CPI. Foto: Tonico

Representantes da Associação dos Pescadores e Catadores Indígenas (Apeci-ES) se reuniram com deputados estaduais, nesta quinta-feira (28), para apresentar irregularidades no processo de indenização do crime da Samarco/Vale-BHP. Os atingidos apontaram a forma discriminatória como os pagamentos são feitos, a pressão exercida sobre indígenas para aceitarem valores inferiores, a falta de diálogo com a Fundação Renova, e divergências nos estudos de impactos. A Comissão Parlamentar de inquérito (CPI) das Licenças, da Assembleia Legislativa, garantiu que vai apurar as denúncias.

“Eles tentam mascarar para a sociedade que estão indenizando, e não é isso que tem acontecido”, cravou o advogado da Apeci-ES, Jeferson Ronconi, alertando ainda que a terra e os rios estão contaminados. “Se continuar dessa forma, vão acabar com a cultura indígena, porque as comunidades não terão seus meios de subsistência, que é a agricultura”.

Os problemas também foram listados em uma carta endereçada à CPI. A associação de pescadores relata que a indenização de famílias indígenas foi feita de forma diferente da população em geral. “As indenizações aos indígenas foram dadas por famílias, enquanto das comunidades em geral, por pessoa atingida, um processo discriminatório, além de que foi cortado o Auxílio Emergencial pago aos indígenas que não quiseram se sujeitar às imposições da fundação. Isso tudo sem a devida transparência e participação das associações indígenas”, critica o documento.

Tonico

A associação também destaca as dificuldades de diálogo com a Fundação Renova, criada justamente para reparar os danos do crime do rompimento da barragem de Mariana, em 2015. “A Acepi-ES não foi chamada para qualquer tipo de negociação, desconhecendo os processos indenizatórios dos indígenas, além de verificar grandes desrespeitos às populações indígenas, que tiveram seus direitos indenizatórios reduzidos em comparação a outras comunidades, demonstrando assim um tratamento discriminatório”, diz outro trecho da carta.

Para Jeferson, há uma pressão da Renova para que as comunidades indígenas aceitem o pagamento de valores injustos. “Eles montam comissões, como as dos indígenas de cada aldeia, estipulam o valor, e pressionam a comunidade a assinar um termo de quitação. Só que não fazem a indenização da forma correta. Eles têm um estudo, por exemplo, que mostra que o rio só vai voltar ao normal daqui a 40 anos. Eles indenizam só 12 anos”, exemplifica.

A Renova também não se preocupa em reparar os danos e impactos gerados para as gerações futuras, explica o advogado. “Uma criança indígena nasce pescando. Como agora não pode pescar, essa criança vai completar 18 anos, a idade para trabalhar, e não vai ter o que fazer, porque ninguém vai comprar produto do rio e a Renova não considerara isso”, ressalta.

O mesmo foi dito pela pescadora Vera Lúcia Alves, de 50 anos, durante a reunião na CPI. “Pesco desde os cinco anos. Casei, tive dois filhos, e pescava dia e noite para sustentar minha família, mas, infelizmente, meus filhos, hoje, não conseguem tirar o sustento desse mesmo rio, pois a água está contaminada”, apontou.

O engenheiro Ricardo Burg participou da reunião representando a Renova. Em determinado momento, ele chegou a alegar que a fundação possui “estudos que comprovam que os rios de Aracruz não foram impactados pelo incidente em Mariana”. A fala foi criticada por representantes da associação de indígenas pescadores. “É um absurdo ele falar isso, se não houve impacto, por que estão indenizando?”, questiona Jeferson.

O vereador de Aracruz e ex-cacique Vilson Jaguareté (PT) também participou da reunião na Assembleia Legislativa. Ele explica que outro problema apresentado pela associação é a classificação dada aos pescadores no momento da indenização. “A indenização os considerou como pescadores informais. Eles não são informais, exercem atividades profissionais”, destaca.

Tonico

A CPI, formada ainda pelos deputados Alexandre Xambinho (PSC) e Marcos Garcia (PP), deu um prazo de cinco dias para que tanto a Fundação Renova quanto a Fundação Nacional do Índio (Funai) enviem os estudos mais recentes sobre a potabilidade da água do Rio Doce e seus afluentes. O objetivo é apurar as divergências entre os resultados presentes nas duas pesquisas.

“Como deputados e membros desta CPI, precisamos ser isentos e apurar os fatos diante desse crime ambiental que aconteceu em Mariana (MG), mas que até hoje impacta na vida de diversos mineiros e capixabas. Precisamos entender o porquê de um lado a Renova diz que os estudos contratados por ela não apontam contaminação, enquanto há um estudo apontado pelos pescadores (contratado pela Funai) que diz ter metais pesados nas águas que passam pela região e até mesmo enfrentam dificuldades em comercializar seus produtos”, declarou Marcelo Santos.

Os deputados também manifestaram exigir um estudo independente, bancado pela Renova, para investigar a qualidade da água de rios como Piraquê-Açu e Piraquê-Mirim, e ainda do Rio Doce. A comissão ainda aguarda a resposta da fundação sobre a disponibilização de recursos.

Para Vilson Jaguareté, a mobilização dos pescadores é importante para que as indenizações ocorram de forma justa, mas os impactos causados pelo crime nunca serão totalmente reparados. “Pela proporção – e a gente sente na pele, nos rios, na interrupção da venda do artesanato, do caranguejo e do marisco -, falar que vai ser totalmente reparado, isso nem se fosse todo dinheiro do mundo. Não seria suficiente. É apenas um alento”, enfatizou, reiterando que “ainda há muito o que se conversar, para que se tenha uma reparação justa”.

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