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domingo, março 30, 2025
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Atingidos apresentam reivindicações durante caravana do Governo Federal 

Comunidades reforçam cobrança por participação e transparência na destinação de recursos

Stephanne Biondo/MAB

Representantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) apresentaram uma pauta de reivindicações ao Governo Federal nesta quarta-feira (26), durante a passagem da Caravana Interministerial do Governo Federal por Linhares, no norte do Espírito Santo. O grupo reforçou a necessidade de participação ativa dos atingidos pelo crime da Samarco/Vale-BHP no processo de execução do Novo Acordo de Reparação do Rio Doce, firmado entre as empresas, os governos federal e estaduais e instituições de justiça, sem a participação das comunidades, e propôs que, em abril, sejam iniciadas mesas de negociação para debater a execução das propostas. 

“Se fomos excluídos da formulação do acordo, queremos estar presentes na sua execução”, defende um dos dirigentes estaduais do movimento, Lucas Soprani, que reitera a necessidade de os recursos chegarem diretamente às comunidades atingidas, que lutam para participar das decisões.

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Um dos principais pontos do documento, assinado por diversas organizações e entidades, incluindo o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA-ES), a Associação Juízas e Juízes para a Democracia (AJD), a Comissão Justiça e Paz da Diocese de Colatina (CPJ), a Central Única dos Trabalhadores (CUT-ES), além de parlamentares, associações de pescadores, agricultores e sindicatos, é garantir a participação ativa dos atingidos na implementação da verba destinada à reparação. 

“As demandas da participação coletiva, da inclusão efetiva de políticas voltadas para as mulheres, também de financiamento ou de construção de cooperativas, já estavam sendo levantadas há bastante tempo na base”, relata Lucas Soprani. Ele também reforça que a cobrança por fiscalização e transparência na destinação dos recursos são fundamentais. “Algumas cidades já receberam repasses de recurso desde o ano passado e não sabemos para onde foi. O principal é garantir que os atingidos estejam presentes nessas tomadas de decisões”, acrescenta. 

Os R$ 100 bilhões destinados ao acordo serão distribuídos em parcelas ao longo de 20 anos, entre diferentes áreas, com foco na reparação e recuperação dos territórios atingidos. Desse total, cerca de R$ 39 bilhões serão direcionados diretamente às pessoas afetadas, além das indenizações já previstas. Outros R$ 16 bilhões serão aplicados na recuperação ambiental, enquanto R$ 17 bilhões contemplarão reparações socioambientais, que também impactam indiretamente os atingidos. Infraestrutura, como saneamento e rodovias, receberá R$ 15 bilhões, e a ação civil pública de Mariana contará com R$ 1,66 bilhão.

Municípios afetados terão acesso a R$ 6,1 bilhões, e R$ 1,86 bilhão será empregado em ações institucionais e de transparência. Além disso, R$ 3,75 bilhões serão destinados ao Programa de Transferência de Renda, garantindo auxílio mensal a pescadores e agricultores por quatro anos. Os Programas de Retomada Econômica receberão R$ 6,5 bilhões, distribuídos entre fomento produtivo, setor rural e investimentos em educação, ciência, tecnologia e inovação. Mais R$ 5 bilhões serão alocados na Constituição de Fundo Popular da Bacia do Rio Doce, cuja aplicação será definida diretamente pelos atingidos. Também foi instituído o Programa para Mulheres, que contará com R$ 1 bilhão para iniciativas voltadas ao público feminino da Bacia Hidrográfica do Rio Doce e do litoral norte do Espírito Santo, sob a gestão das Instituições de Justiça.

O MAB elencou planos específicos para diferentes setores: formação de vigilantes populares em saúde, capacitação de profissionais e estudos sobre os impactos na saúde dos atingidos; reestruturação da cadeia produtiva da pesca, incluindo programas de produção, comercialização e abastecimento; retomada da agricultura familiar e camponesa com foco na produção agroecológica; planos para erradicação do analfabetismo, capacitação profissional e informação sobre segurança de barragens; e propostas para acesso à água e energia, como filtros de nanotecnologia e cisternas para comunidades rurais, descontos nas tarifas e incentivos para energia solar, e fortalecimento da participação feminina nos processos de reconstrução dos territórios atingidos. 

Lucas reforça a necessidade de um programa estruturado de saúde para os atingidos, com monitoramento contínuo da contaminação, considerando que a Fundação Renova, criada pelas empresas criminosas para gerir a reparação pelo crime e extinta na repactuação, atuava para negar e impedir a divulgação de informações sobre a contaminação. “A ideia é que não só os exames aconteçam, mas que se tenha um programa para a saúde dos atingidos, que isso seja acompanhado de perto e que se dê um cronograma de testes”, enfatizou o dirigente do MAB. 

Ele alerta que os impactos da contaminação nos ecossistemas e na saúde da população são de longo prazo. “Esses testes precisam acontecer por décadas ainda, porque a gente não sabe como vai se dar o nível de contaminação na foz. É comprovadamente, pelos últimos estudos, onde a concentração de metais pesados tende a se acumular ao longo dos anos. Parte dos atingidos já entende que os locais em que vivem são inabitáveis por conta da contaminação”, conclui. 

Durante anos, mulheres atingidas enfrentaram dificuldades adicionais para serem reconhecidas e indenizadas. Lucas Soprani observa que muitas ficaram sem acesso direto aos recursos em casos de separação, porque apenas os maridos eram cadastrados como beneficiários dos programas de reparação. Na cadeia da pesca, trabalhadoras que atuavam na cadeia produtiva, como na limpeza e processamento dos pescados, também ficaram de fora, por não serem reconhecidas como pescadoras. 

O acordo de repactuação criou um programa exclusivo para mulheres, com a destinação de R$ 1 bilhão para iniciativas de apoio às atingidas. O MAB ressalta a importância de garantir que as atingidas possam participar ativamente da formulação e execução dos projetos voltados para elas. 

Outro ponto destacado é a necessidade de indenização ágil e justa, garantindo o pagamento imediato dos lucros cessantes a todas as categorias afetadas. O grupo também cobra o reconhecimento de territórios e grupos que ficaram de fora do acordo, como pescadores de Vila Rubim e Ilha das Caieiras, além de trabalhadores da mineração e metalurgia. As mulheres atingidas também reivindicam prioridade, diante dos direitos violados durante a reparação do crime por meio da fundação gerida pelas mineradoras responsáveis. 

O movimento também denuncia falhas na delimitação das áreas atingidas e a exclusão de comunidades inteiras do processo de reparação. “Tem territórios atingidos que não são reconhecidos pela repactuação. Ou, pior, comunidades que têm metade reconhecida e a outra metade, não”, critica Soprani. 

Ele cita o caso da comunidade Lagoa do Aguiar, em Linhares. “É ridículo não reconhecer a outra metade, porque eu duvido que alguém fez uma barreira nessa água que contaminou parte da lagoa e não contaminou o resto. A comunidade está dividida, porque algumas pessoas podem acessar os recursos da repactuação e outras não. Mas a água que todo mundo bebe é a mesma, o peixe é o mesmo, quando o rio enche, destrói a roça de todos do mesmo jeito”, criticou. 

A Caravana Interministerial, coordenada pela Secretaria Geral da República, começou nesta segunda (24) a percorrer 22 territórios atingidos pelo crime da Samarco/Vale-BHP localizados desde Mariana, em Minas Gerais, até a foz do Rio Doce, incluindo o litoral capixaba, com a presença de 90 técnicos de diversos ministérios até sexta-feira (28), para escutar as comunidades e apresentar os principais pontos da repactuação. O MAB, no entanto, alerta que o diálogo precisa se traduzir em participação efetiva dos atingidos na tomada de decisões. “Até aqui foi sem nós, mas daqui para frente, se for assim, teremos novos problemas”, enfatiza o dirigente.  

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