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Especialistas depõem na justiça inglesa sobre crime da Samarco/Vale-BHP

Julgamento que envolve 620 mil vítimas é retomado nesta semana em Londres

O julgamento da ação movida pelos atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), contra a mineradora BHP Billiton foi retomado nesta segunda-feira (13), na Corte de Tecnologia e Construção de Londres. O processo coletivo envolve cerca de 620 mil vítimas, 46 municípios e 1,5 mil empresas, e busca responsabilizar a BHP pelo maior crime ambiental da história do Brasil, ocorrido em 2015.

Nesta primeira semana (13 a 21 de janeiro), especialistas em direito ambiental brasileiros testemunham sobre questões legais relacionadas ao dano socioambiental provocado pela Samarco, com a participação das empresas controladoras Vale e BHP.

Antônio Cruz/ ABR

O escritório Pogust Goodhead, que representa os atingidos, enfatiza que a análise será conduzida com base na legislação ambiental brasileira, reconhecida como uma das mais progressistas e rigorosas do mundo. A aplicação da lei é crucial para garantir a reparação e a justiça no caso – especialmente após o desfecho desfavorável no tribunal da Justiça Federal de Minas Gerais, que absolveu as mineradoras, além de 22 réus, incluindo altos executivos e diretores, das acusações criminais relacionadas ao rompimento da barragem de rejeitos.

As audiências na corte inglesa começaram em outubro de 2024 e foram retomadas após recesso de fim de ano. Na semana seguinte, de 22 a 29 de janeiro, o tribunal receberá depoimentos de especialistas em questões geotécnicas. As partes terão entre 29 de janeiro e 19 de fevereiro para preparar os argumentos finais, que serão trocados no dia 20 de fevereiro. As alegações finais serão apresentadas entre 5 e 13 de março.

A sentença final, prevista para ser divulgada em meados de 2025, determinará a responsabilidade da BHP e definirá as indenizações, que podem alcançar até R$ 230 bilhões, conforme estimativas da defesa. O processo representa uma esperança para as vítimas, que denunciam uma série de violações de direitos ao longo de quase uma década de luta por reparação.

Os atingidos denunciam cláusulas abusivas e limitações no modelo de reparação acordado no Brasil. Entre os pontos mais problemáticos do acordo, negociado em sigilo pelas cúpulas dos governos federal e dos Estados do Espírito Santo e de Minas Gerais, sem a participação das populações afetadas, estão a exclusão de milhares de famílias das indenizações e a exigência de quitação ampla e irrestrita, que impede os municípios e indivíduos afetados de buscar outras formas de reparação, inclusive na justiça internacional. Essa cláusula exige que as vítimas renunciem a todas as ações legais contra as mineradoras e limita as possibilidades de reparação individual ou coletiva fora do acordo.

Até o momento, quatro municípios já desistiram de participar da ação na Inglaterra devido às condições impostas pela repactuação: Conceição da Barra e São Mateus, no norte do Espírito Santo, além de Córrego Novo e Sobrália, em Minas Gerais. Contudo, o processo segue com 42 municípios envolvidos, localizados na Bahia, Espírito Santo e Minas Gerais. Entre os capixabas, Baixo Guandu, Colatina e Marilândia permanecem representados na ação.

O escritório de advocacia responsável pela representação das vítimas argumenta que a BHP deve ser responsabilizada por falhas operacionais e omissões de segurança. Documentos e testemunhos apresentados desde o início das sessões, em 21 de outubro de 2024, indicam que a BHP já tinha conhecimento dos riscos desde 2014, mas falhou em tomar as medidas necessárias para prevenir o desastre. Entre as evidências estão estimativas internas da empresa de até 100 mortes e um impacto financeiro inicial de US$ 200 mil por vítima.

Consequências gigantescas

Em 5 de novembro de 2015, o rompimento da barragem de Fundão provocou um fluxo devastador de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração, que resultou na morte de 19 pessoas, devastou comunidades e impactou mais de 2,5 milhões de pessoas em três estados da federação. Os rejeitos avançaram 55 km do rio Gualaxo do Norte e outros 22 km do rio do Carmo, até desaguarem ao Rio Doce, onde percorreu 684 km e alcançou o mar no distrito de Regência, em Linhares, no Espírito Santo.

Com proporções gigantescas, as consequências provocadas pelo crime continuam a ser sofridas pelos atingidos após quase nove anos de injustiças, sofrimento e violações de direitos, entre eles a participação efetiva dos afetados no processo de negociação das reparações.

Além das mortes decorrentes do rompimento, prejuízos diretos à saúde física e psicológica, e danos ambientais e econômicos, somam-se a esses impactos a desestruturação social e política e perdas culturais e identitárias. Muitas comunidades tradicionais ficaram impossibilitadas de continuar suas práticas ancestrais, como a pesca artesanal, a coleta de plantas medicinais, e a produção de alimentos tradicionais, que são fundamentais para sua subsistência e modos de vida.

Nenhum dos réus envolvidos no crime da Samarco/Vale-BHP foi punido criminalmente. Dos 26 acusados inicialmente, 15 foram excluídos da ação penal por decisões judiciais, e a lentidão do processo pode levar à prescrição dos crimes no sistema de justiça brasileiro. No entanto, os julgamentos internacionais na Holanda e na Inglaterra oferecem alguma esperança de resultados mais efetivos para a responsabilização das empresas e seus administradores.

A resistência dos atingidos mantém a luta por direitos e destaca a necessidade urgente de um modelo de desenvolvimento que respeite a sociobiodiversidade e promova a justiça social e a reparação integral para as comunidades e territórios impactados.

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