Representante dos pescadores, Lambisgoia critica acordo e exigência de renúncia a ações
Excluídos das negociações e desesperançosos de serem indenizados pelas mineradoras Samarco/Vale-BHP, os atingidos da bacia do Rio Doce mobilizam um abaixo-assinado em busca de justiça na reparação do crime socioambiental. Com a recente assinatura do acordo de repactuação, o grupo denuncia o desamparo que enfrenta diante de uma decisão que “não contempla as necessidades das mais de 100 mil famílias atingidas diretamente e toda a sociedade indiretamente, sem os alimentos saudáveis em suas mesas”. O crime completa nove anos nesta terça-feira (5).
Outro ponto preocupante destacado pelos autores no documento é a exigência de que os atingidos renunciem à ação judicial em Londres, na Inglaterra, contra uma das empresas envolvidas no rompimento da barragem, a BHP Billiton. Essa cláusula é vista como uma violação grave dos direitos dos afetados, pois nega a possibilidade de indenizações justas.
“O acordo ainda vem pressionar os atingidos, que para conseguir a indenização aqui no Brasil, vão ter que abrir mão dos seus direitos na Inglaterra. Então, praticamente força o atingido a desistir de tudo”, criticou o presidente do Sindicato dos Pescadores e Marisqueiros do Espírito Santo (Sindpesmes), João Carlos Gomes da Fonseca, conhecido como Lambisgoia.
O abaixo-assinado reflete a insatisfação com um processo que foi elaborado sem a participação efetiva dos afetados, gerando um sentimento de exclusão. Muitos não têm acesso ou compreensão do acordo judicial, que possui mais de 1,3 mil páginas, o que reforça a sensação de impotência, destacou Lambisgoia: “Garanto para vocês que, da forma como foi direcionada a repactuação, ninguém ainda conseguiu ler isso tudo”.
Com cerca de 26 mil pescadores afetados no Estado, muitos estão excluídos do processo de indenização devido às limitações de reconhecimento ou porque o acordo judicial nega esse direito aos atingidos que já acessaram indenizações anteriores, como o Novel, controverso sistema indenizatório simplificado criado em 2020, que visava pagar indenizações individuais aos atingidos pelo rompimento da barragem da Samarco em Mariana (MG) e foi encerrado de 2023 por falta de amparo legal, conforme decisão judicial.
O representante do sindicato dos marisqueiros e pescadores criticou a forma como os recursos destinados às indenizações das vítimas do crime da Samarco/Vale-BHP foram distribuídos para áreas que não priorizam a reparação direta dos atingidos como obras em rodovias, que poderiam obter outras fontes de financiamento. “Fatiaram o dinheiro dos atingidos e muitos vão ficar sem nada. Já tiraram, fatiaram cada pedaço para cada município, para cada coisa. E o impacto dessa repactuação na vida dos pescadores? Está todo mundo desesperado. Não tem condição de trabalhar numa água contaminada”, pontuou.
Crise profunda
Com o avanço da contaminação após nove anos do maior crime socioambiental da história brasileira, a questão da subsistência se torna cada vez mais crítica para os atingidos. A poluição dos rios, das áreas costeiras e do solo por metais pesados fizeram com que muitas comunidades perdessem acesso a alimentos saudáveis e seguros.
Lambisgoia enfatiza que a comunidade que vive da pesca artesanal na costa capixaba, composta por camaroeiros, marisqueiros, limpadores de peixe e pescadores, enfrenta uma crise profunda. A liberação gradual da atividade em um ecossistema severamente degradado gera mais preocupações sobre a segurança alimentar e a saúde da população local, especialmente pela falta de soluções efetivas que garantam a dignidade e a subsistência desses trabalhadores.
De acordo com nota técnica publicada pela Aecom do Brasil, perito judicial do caso Samarco/Vale-BHP desde março de 2020, no início do ano, a contaminação de alimentos na Bacia do Rio Doce é alarmante, evidenciando a presença de metais pesados, como bário, chumbo e metilmercúrio em pescados, frutas e vegetais.
Oriundos de áreas impactadas pelo crime em 2015, as substâncias representam riscos significativos à saúde pública. O Ministério da Saúde acompanha o estudo, na qual destacava-se a urgência de um gerenciamento de risco adequado e a necessidade de uma comunicação clara e acessível sobre os perigos envolvidos. No entanto, a Fundação Renova, criada para lidar com as consequências do crime e extinta após a repactuação, foi criticada pela sua omissão em informar a população sobre os impactos da contaminação.