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‘Maior problema não é fraude, mas quem ficou sem indenização’ 

MAB aponta falhas na reparação do crime da Samarco/Vale-BHP 

O Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES) deflagrou, no último dia 30 de janeiro, a Operação Abutres II, que investiga fraudes em requerimentos de indenizações ao Sistema Indenizatório Simplificado (NOVEL) da Fundação Renova, voltado a vítimas do rompimento da barragem da Samarco, em Mariana (MG), em 2015. A operação, que tramita sob sigilo, ocorre em Baixo Guandu (ES) e Aimorés (MG), e tem como objetivo apreender documentos, computadores e outros materiais que possam contribuir para as investigações. 

A operação revelou que, entre as fraudes identificadas, os envolvidos adulteravam documentos, como faturas de concessionárias de serviços públicos, para simular residência em áreas atingidas pela tragédia, visando obter as indenizações. Embora a fraude seja uma questão relevante, movimentos de atingidos, como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), chamam a atenção para um problema mais amplo e impactante: a exclusão de um número significativo de vítimas do processo de reparação. 

“Essas operações descredibilizam ainda mais a Fundação Renova, que pagou quem não deveria e deixou muitos atingidos desassistidos. O maior problema não é fraude, mas quem ficou sem indenização”, avalia o militante João Paulo Izoton. Ele destaca que a proporção de atingidos que receberam indenizações é mínima em relação ao número de pessoas que realmente sofreram com a tragédia.  

A Fundação Renova, criada em 2016 para gerir a reparação e compensação dos atingidos, tem sido amplamente criticada por organizações como o MAB por sua ineficiência e falta de transparência. Desde sua criação, a entidade é acusada de perpetuar violações de direitos e negligenciar as comunidades impactadas.

O coordenador do MAB, Heider Boza, ressalta que a chamada “privatização da reparação”, coordenada pelas empresas criminosas, resultou na execução dos processos indenizatórios pelas próprias empresas envolvidas no desastre, o que gerou mais sofrimento e exclusão. “O sistema Novel foi muito propagandeado, mas na verdade, deixou muita gente de fora. No litoral e nas áreas ao redor do Rio Doce, como em Linhares, muitas vítimas sequer foram reconhecidas”, observou.

Acervo pessoal

Ele também criticou as falhas no próprio sistema de reparação, que, segundo ele, foi inicialmente orientado de maneira parcial pelo juiz Mário de Paula, da 12ª Vara Federal, que induziu centenas de milhares de atingidos a aceitarem a quitação de direitos a partir do Novel, sem o devido esclarecimento.  “Se houve fraude, não estou dizendo que não houve, mas a questão é onde ela começa. Será que a investigação vai pegar apenas os ‘peixes pequenos’, ou vai alcançar os grandes escritórios de advocacia e até mesmo a própria Justiça Federal?”, questionou. 

Ele alertou ainda para as limitações das indenizações oferecidas. Para Heider, as medidas de reparação seguem um viés reducionista, ao se limitarem a considerar impactos econômicos e desconsiderarem outros aspectos, como a perda de qualidade de vida das vítimas, a alteração nos modos de vida e a perda de espaços de lazer.  

Em comunicado sobre a investigação, o MPES relatou que as fraudes identificadas envolvem a adulteração de documentos para simular residência em áreas atingidas pela tragédia e que já foi identificado um prejuízo milionário à Fundação Renova. No entanto, as investigações seguem sob segredo de justiça e novas informações só serão divulgadas quando possível.  

O MAB, por sua vez, continua a lutar pela reparação de todas as vítimas, especialmente as que foram deixadas de fora do processo de indenização. Com a recente repactuação do acordo de reparação, a gestão das indenizações passa a ser responsabilidade da União e dos estados, que terão acesso a recursos significativos e gestores técnicos de carreira para conduzir as políticas públicas voltadas à reparação. No entanto, os atingidos seguem denunciando exclusões, especialmente com a criação do Programa de Transferência de Renda (PTR), que substitui o Auxílio Financeiro Emergencial (AFE). 

Representantes do MAB alertam que os critérios do novo programa, que destina 1,5 salário-mínimo mensal por indivíduo por 36 meses, seguido de um salário-mínimo por mais 12 meses para agricultores familiares e pescadores profissionais artesanais, têm excluído milhares de atingidos. Agricultores que vivem a mais de cinco quilômetros da calha principal do Rio Doce, por exemplo, não serão contemplados, enquanto pescadores de áreas costeiras após Nova Almeida, na Serra, também estão fora do direito à indenização.  

O movimento defende a necessidade de um comitê gestor, previsto na Política Nacional dos Atingidos por Barragens (PNAB), para assegurar um canal permanente de diálogo e participação diante da atuação do governo do Espírito Santo, que caracterizam como falha em promover o diálogo institucional na formulação de políticas voltadas à reparação. 

No entanto, essa proposta foi vetada na criação da Secretaria do Rio Doce sem consulta prévia aos movimentos sociais e sem a estruturação de mecanismos que garantam a participação dos atingidos no processo decisório, ressaltam porta-vozes do MAB. 

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