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‘Repactuação não pode ser apenas um pacote imposto de cima para baixo’

Lucas Soprani, do MAB, levou demandas a encontros com o governo federal no Estado

O novo acordo de repactuação do crime socioambiental da Samarco/Vale-BHP foi debatido entre representantes de comunidades, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e o representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), Jackson de Sousa Dias, durante visita ao Espírito Santo entre essa segunda e quarta-feira (3 a 5), aos municípios de Marilândia, Linhares, São Mateus e Conceição da Barra, na região norte. Os encontros abordaram o modelo de reparação estabelecido com o acordo, que transfere a responsabilidade pelas ações de reparação à União e aos estados por meio de políticas públicas.

Com a entrada do poder público e a extinção da Fundação Renova, criada em 2016 pelas mineradoras para gerir a reparação e compensação dos atingidos, o desafio será garantir que a reparação seja feita de forma justa, transparente e participativa, defende o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Heider Boza, diretor estadual da organização, reforçou a importância da mobilização para garantir que as comunidades afetadas participem do processo decisório. “Muitos programas ainda estão em construção, e é fundamental que os atingidos estejam organizados para influenciar nas políticas que serão implementadas”, afirmou.

Uma das ações estabelecidas pelo acordo assinado pelo presidente Lula em outubro de 2024 e, em novembro, homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), é o Programa de Transferência de Renda (PTR), que prevê um auxílio mensal de R$ 1,5 salário mínimo pelos primeiros 36 meses, seguido de um salário mínimo nos últimos 12 meses, destinado a famílias agricultoras de Minas Gerais e Espírito Santo afetadas pelo rompimento da barragem de Fundão em Mariana (MG), em 2015.

Para acessar o PTR, é necessário ter o Cadastro de Agricultura Familiar (CAF) ativo até o próximo dia 6 de março. O documento é fundamental para garantir acesso a políticas públicas destinadas à agricultura familiar, explica Lucas Soprani, também diretor estadual do MAB no Espírito Santo. “O CAF é como se fosse uma identidade da produção das famílias e também garante acesso a políticas como o Programa de Transferência de Renda (PTR), que não exige advogados para solicitação. Ele não garante a indenização, mas sem ele, não há possibilidade de acesso”, informou.

Associação de Desenvolvimento Agrícola Interestadual (Adai)

No Espírito Santo, os benefícios serão direcionados a agricultores em Aracruz, Baixo Guandu, Colatina, Linhares e Marilândia, desde que suas unidades produtivas estejam dentro da área de impacto definida pelo acordo, que contempla apenas aqueles que vivem em um raio de até cinco quilômetros do centro da calha do Rio Doce ou na mancha de inundação entre o distrito de Farias, em Linhares, e a foz do rio. O MAB questiona esse critério para a concessão dos auxílios, diante da extensão dos danos socioambientais que persistem após quase dez anos do crime e a ausência de estudos.

“É uma questão muito sensível essa delimitação de cinco quilômetros. No passado, a Renova considerava apenas um quilômetro, conseguimos avançar, mas ainda é pouco frente à gravidade do desastre. Afinal, as comunidades compartilham a mesma água e os mesmos recursos naturais. Como dizer que uma família dentro desse raio foi mais atingida do que outra que está logo fora, mas que bebe da mesma água e consome o mesmo peixe?”, destaca Lucas Soprani.

Ele avalia que a realidade das consequência do crime socioambiental é muito mais ampla do que tem sido reconhecido e alerta para a ausência de estudos aprofundados sobre os impactos, o que prolonga a incerteza das comunidades atingidas.“Vemos um aumento significativo de doenças de pele e câncer ao longo da bacia do Rio Doce. Não temos dados que comprovem como está a contaminação dos lençóis freáticos e dos recursos naturais. Por isso, o movimento não pretende se limitar a essa metragem na emissão do CAF. Ainda que um agricultor não seja elegível para o PTR, ele pode acessar outros programas de fomento que ainda estão sendo construídos”, pontuou.

A chegada do MDA ao processo de reparação é vista pelo MAB como um avanço, já que amplia o diálogo com o governo e cria espaços de reivindicação para os atingidos. No entanto, o movimento segue atento às limitações do acordo e aos desafios da implementação. “Nossa luta continua para garantir que ninguém fique para trás e que o processo de reparação seja justo e abrangente. A repactuação não pode ser apenas um pacote fechado imposto de cima para baixo. Nossa luta é para garantir que os atingidos tenham voz e poder de decisão sobre os recursos que lhes são de direito”, conclui.

ADAI – Associação de desenvolvimento agrícola interestadual

Mecanismos de participação

Um dos principais desafios apontados pelo MAB é garantir que as comunidades atingidas participem efetivamente das decisões sobre a distribuição dos recursos da Repactuação, que prevê repasses bilionários para prefeituras e governos estaduais, avalia Lucas Soprani. O movimento defende a ampliação dos mecanismos de participação popular, como Comitês de Atingidos, Fóruns de Participação e Controle Social, criação de Secretarias Municipais de Reparação e a formação de Conselhos de Acompanhamento para evitar a repetição de processos excludentes que já ocorreram antes.

Para João Paulo Izoton, também militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a criação da Secretaria de Recuperação do Rio Doce (SERD) supre uma lacuna histórica na implementação de políticas públicas para atingidos por barragens, sendo essencial para a administração dos recursos da repactuação, que envolvem um aporte de R$ 14,8 bilhões transferido ao Estado receberá ao longo de 20 anos. Ele destaca que um dos grandes entraves à implementação da Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB) é a ausência de um órgão de Estado que centralize informações sobre os atingidos e as políticas públicas voltadas para eles.

O porta-voz do movimento considera que o desafio será provar para os atingidos que a reestatização da reparação, retirando o controle das empresas e da Fundação Renova, não será pior do que a anterior. Para isso, a transparência e participação popular na construção e condução desses programas será determinante nesse sentido. “A população não pode ser apenas objeto da política pública, precisa ser sujeito dela. Só assim as ações terão impacto real e duradouro nos territórios atingidos”, avalia.

A recente nomeação de Guerino Balestrassi (MDB), ex-prefeito de Colatina, para substituir Ricardo Iannotti (PSB) no cargo de Secretário de Recuperação do Rio Doce (SERD), para ele, pode ser positiva devido à experiência do gestor como alguém que enfrentou dificuldades com a Fundação Renova e esteve à frente de muitas articulações relacionadas ao Rio Doce. Segundo João Paulo, a avaliação dos prefeitos atingidos sobre a reparação feita pela Renova é amplamente negativa, e a presença de alguém familiarizado com essas falhas pode ser um diferencial na condução dos trabalhos.

Com a criação do órgão, o representante do MAB reforça a tarefa de garantir que traga avanços em pontos fundamentais do acordo, que não dizem respeito apenas à sua existência, mas às responsabilidades do governo do Estado como a Fórum de Participação e Controle Social e do Portal Único da Reparação, ferramentas da Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB ), e que centralizariam informações e dariam mais transparência ao processo.

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