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De atingido para atingido: primeira assessoria técnica do ES é quilombola

Comunidade do Degredo quer inspirar outros territórios a “saírem da tutela” e garantirem seus direitos

Leonardo Sá

A comunidade quilombola do Degredo, em Linhares, norte do Estado, é a primeira a ter uma assessoria técnica formada pelos próprios atingidos, dentre todas as localidades capixabas e mineiras atingidas pelo crime da Samarco/Vale-BHP em novembro de 2015. É também o primeiro território a conquistar a contratação da assessoria técnica no Espírito Santo. 

A dupla vitória tem o nome de Associação dos Pescadores e Extrativistas e Remanescentes de Quilombo de Degredo (Asperqd), entidade que é coordenada por moradores da própria comunidade, que também compõem alguns quadros técnicos. Outros serão contratados entre entidades que já vêm auxiliando a comunidade em seus seguidos processos de lutas ao longo dos anos.

A escolha da Asperqd aconteceu em julho passado, em reunião organizada pelo Fundo Brasil de Direitos Humanos, expert contratada pelo Ministério Público Federal para executar o delicado processo de mobilização das comunidades atingidas para a escolha de suas respectivas assessorias técnicas. 
Asperqd

A homologação do início do plano de trabalho da Asperqd foi feita em juízo no último dia primeiro de maio e a previsão é de que toda a estrutura necessária para fornecer o assessoramento técnico definitivo esteja pronta e funcionando até o início de julho, com alguns serviços sendo prestados antes, afirma a Associação, em comunicado oficial à comunidade, que conclama para, juntos, “estabelecerem um novo paradigma no assessoramento técnico ao atingido”.

“A figura da assessoria técnica é essencial na luta das comunidades”, afirma Simony Silva de Jesus, coordenadora-geral da Asperqd. “É muito fácil chegar na comunidade e contar algo que ela não entende. É muito fácil coletar amostras e dizer que está tudo bem. É preciso ajudar as pessoas a entender os acordos firmados e que não estão sendo respeitados. Muita coisa está sendo distorcida. As informações não chegam”, relata a coordenadora.

A estrutura da assessoria, ressalta, foi pensada para fortalecer a comunidade e favorecer “o crescimento das pessoas”. “A assessoria precisa deixar um legado de fortalecer os nossos”, exclama.

‘O dinheiro da reparação tem que ficar no território’

Nesse sentido, entre alguns diferenciais práticos em relação a todas as demais assessorias técnicas escolhidas ou já contratadas na bacia do Rio Doce, estão detalhes importantes como a destinação do valor da taxa administrativa da Associação para um fundo a ser investido no próprio território e doação, também para a comunidade, dos bens adquiridos pela Assessoria. “A Assessoria é voltada para o território. O dinheiro de reparação tem que ficar no território”‘, assevera Simony.

A expertise da Asperqd também é única no universo das assessorias em atuação, pois “mistura o saber popular e o científico, respeita e agrega o saber popular ao técnico”, diz. “Ninguém conhece mais o território do que nós mesmos”, afirma.

Leonardo Sá

“Somos uma comunidade quilombola pequena, rural, sem recursos, de difícil acesso, mas que tem muita força no seu coletivo. E a gente quer inspirar outras comunidades a saírem da tutela, a falarem por si mesmas. A Asperqd veio pra dizer: ‘nós podemos, nós temos voz, nós somos capazes e nós vamos fazer”, exulta.

Autodeclaração e união

Uma das poucas moradoras a alcançarem uma formação técnica e superior na comunidade, Simony participou ativamente também do longo processo de reconhecimento de Degredo como comunidade quilombola junto à Fundação Palmares. 

O sucesso foi alcançado em 2015, após onze anos de luta, e pouco antes do fatídico rompimento da Barragem de Fundão. Diante do novo desafio, jovens e antigos moradores continuaram unidos em defesa do bem comum. Mas o primeiro contato com a Fundação Renova só aconteceria em maio de 2017, ainda com apoio da Fundação Palmares e já com apoio fundamental do MPF, que “sempre apoiou as escolhas de Degredo, sempre nos coordenou”, ressalta.

A partir do primeiro contato, “montamos uma comissão de luta e em 90 dias conseguimos o AFE [Auxílio Financeiro Emergencial]”, relata Simony, lembrando dos “velhos de briga” locais, como o griô (mestre de transmissão oral das tradições locais) Sr. José Costa, que é coordenador social da Asperqd, além de guerreiros como Cleia e Pedro do Mel, que sempre se colocaram à frente das lutas, inspirando as novas gerações a manterem a cultura aguerrida dos negros e negras quilombolas do Degredo. 

O reconhecimento, como atingidos e quilombolas, foi por autodeclaração. Um primeiro importante diferencial da luta local. Reconhecimento como atingido, por autodeclaração, até o momento no Espírito Santo, só aconteceu também com os camaroeiros de Vitória, no final de 2019. 

Atualmente, todos os quilombolas da comunidade recebem o auxilio, que agora precisa chegar também aos moradores não-quilombolas. As indenizações ainda não foram pagas a ninguém e são essas as duas prioridades imediatas. Para tal, a Asperqd constrói a matriz de danos do território, considerando os aspectos econômicos, sociais e culturais que caracterizam os danos causados pela chegada da lama de rejeitos de minério nas águas que abastecem a comunidade.

Leonardo Sá

E abastecimento aqui tem um sentido mais amplo do que saciar a sede e prover a higiene, mais do que o ambiente da pesca como atividade econômica. O rio e o mar, para os quilombolas de Degredo, são elementos fundamentais do lazer, dos rituais intuitivos e ancestrais de cura, são parte da identidade cultural do povo. “Tem um contexto de ancestralidade, é passado de pai pra filho”, ressalta. 

Água com arsênio

Outra ação em curso é o Plano Básico Ambiental Quilombola (PBAQ), que prevê reforma da creche e construção da quadra poliesportiva, da casa da cultura e da Estação de Tratamento de Água.

Novamente, a água. E sobre a que chega nas torneiras, a única solução definitiva possível é a construção da ETA. O abastecimento tradicional, por poços artesianos, foi inviabilizado desde o crime da Samarco, pois os metais da Barragem de Fundão chegaram até os lençóis freáticos e córregos da comunidade, inviabilizando a continuidade do uso.

O arsênio, especialmente, chamou atenção pela elevada quantidade encontrada nas amostras coletadas, levando a Fundação Renova a ser responsabilizada pelo envio permanente de caminhões-pipa. Incrivelmente, ela conseguiu suspender a obrigatoriedade na Justiça Federal, onde o juiz da 12ª Vara de Belo Horizonte, Mario de Paula Franco Junior, decidiu favoravelmente às empresas criminosas, negando, por duas vezes, recurso do MPF.

A continuidade dos caminhões-pipas teve que ser garantida politicamente por pressão da comunidade junto ao governo do Estado. “Encontrei o governador no aeroporto, pedimos a ele”, conta Simony. Diante do clamor direto, Renato Casagrande articulou a determinação à Fundação, que se mantém até hoje.
Leonardo Sá

Organização e fortalecimento do coletivo

Alongando o olhar para o seu entorno, Simony vislumbra um assessoramento técnico digno chegando nas comunidades vizinhas, como Campo Grande, em São Mateus, onde os moradores vivem tradicionalmente do manguezal, mas ainda não conseguiram uma política específica de reconhecimento e indenização. “

Eles perderam não só o sustento, mas a identidade. Vivem ali, criam seus filhos ali. Mas não têm mais expectativa de vida nesse lugar”, conta, lembrando de encontros com lideranças locais. “S. Adeci abre os sururus e não tem mais nada dentro. O que tem, está fétido”, relata. “É muito triste você viver em um contexto, de repente tudo acabar e ninguém se responsabilizar por isso”, lamenta. “Querem que eles mintam, digam que são pescadores pra se encaixar na matriz de danos da Fundação. Fechar os olhos para uma realidade que não existe é muito grave”, denuncia.

Assim como os catadores de mariscos e crustáceos de Campo Grande, Simony invoca outros milhares de atingidos ainda não reconhecidos, sejam individualmente ou como categoria profissional ou território. E repudia qualquer iniciativa voltada ao fechamento do cadastro de atingidos, pedido feito pelas empresas criminosas e Renova ao juiz Mario de Paula, que tem convocado pequenos grupos de atingidos já reconhecidos para incitar um movimento pelo fechamento do cadastro, como pré-condição para pagar as indenizações já determinadas judicialmente. 

“Fechamento do cadastro é um absurdo. Ele é a porta de entrada pros 43 programas do Acordo. Como fechar a porta deixando seu semelhante com a mão estendida pra algo que jamais vai vir? Eu nunca vou fechar essa porta”, afirma. E conclama as comunidades a se organizarem em assessorias técnicas próprias, em movimentos próprios de luta por seus direitos. “É um processo muito enriquecedor. Muito capcioso e difícil, mas muito enriquecedor. Não é fácil, mas não é impossível”, atesta.

O segredo para vencer? “Organização e fortalecimento do coletivo”. Não só para assessoria técnica, sublinha: “é preciso instrumentalizar as comunidades para seguir em frente, não só nesse processo, mas para todas as outras conquistas”, encoraja.

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