Tribunal de Justiça nega à prefeitura de Vila Velha as posses de áreas, mas as exige para autorizar estruturação do parque
Um ciclo vicioso, mantido por decisões consideradas contraditórias dentro do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), tem impossibilitado a implementação do Parque Natural Municipal de Jacarenema, em Vila Velha.
O entendimento é possível a partir da consulta aos atos processuais relativos a ações de desapropriação de terrenos localizados dentro da área da unidade de conservação, que expõe três comportamentos conflitantes.
Primeiro, a Corte capixaba determina que a permissão para que a prefeitura realize a implementação da estrutura administrativa do parque, incluindo obras físicas como centro de visitantes e de fiscalização, depende da regularização fundiária dos terrenos localizados no interior da unidade.
Segundo, se nega a fazer a imissão de posse das glebas para o município, mesmo após pagamento em juízo das indenizações por desapropriação. E, terceiro, afirma que a regularização dos empreendimentos instalados na Zona de Amortecimento (ZA) do parque tem, como pré-condição, a instalação da sua estrutura administrativa.
O resultado disso é que, sem a posse legal, a Prefeitura de Vila Velha fica impedida de implementar a unidade de conservação e, com isso, não pode também regularizar os empreendimentos localizados no entorno.
Para além dos prejuízos ambientais diretamente decorrentes da falta de implementação de uma estrutura administrativa, como a falta de fiscalização, cuidado, restauração e educação ambiental, há ainda as consequências socioambientais de uma área muito maior que a unidade de conservação, mas que sofre sua influência direta. São centenas as propriedades e empreendimentos imobiliários que obedecem às normas ambientais, mas não podem ser regularizados, o que causa grave entrave ao desenvolvimento sustentável de toda a região.
Desapropriações
Os depósitos em dinheiro necessários à desapropriação judicial dos terrenos para a implementação do parque são feitos pela atual gestão municipal, de Arnaldinho Borgo (Podemos), perante as Varas das Fazendas Públicas de Vila Velha.
Acontece que a 3ª Câmara do Tribunal de Justiça suspendeu a imissão de posse do município em um dos lotes onde será construída a sede do parque, determinando que seja feita primeiro uma perícia judicial para avaliar o imóvel, o que pode demorar anos. A decisão foi passada em agravo de instrumento (5004953.88.2021.8.08.0000), em processo relatado pelo desembargador substituto Luiz Guilherme Risso e teve votos no mesmo sentido de Eliana Junqueira Munhoz Ferreira e Jorge Henrique Valle dos Santos.
A Procuradoria Municipal entrou então com recurso de embargos de declaração, à própria 3ª Câmara Cível, destacando a necessidade de serem apreciadas diversas questões invocadas pelo município e, até o momento, ignoradas pelo TJES. Dentre elas, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de que é cabível que o órgão público assuma a posse do imóvel imediatamente, independente do prosseguimento da discussão do seu valor.
Tramitam também, no Tribunal de Justiça, outros processos em que os desapropriados pretendem impedir a municipalidade de assumir as propriedades, enquanto discutem os valores das indenizações.
Na Primeira Câmara Cível, um agravo de instrumento (5004441.08.2021.8.08.0000) relatado pelo desembargador Annibal de Rezende Lima, e na Quarta Câmara Cível, outro (5004307.78.2021.8.08.0000) relatado por Jorge do Nascimento Viana. Em ambos os processos, foram mantidas, por enquanto, as decisões favoráveis à imissão na posse pelo município.
Prioridade
Essa guerra judicial só pode ser pacificada a partir do momento em que a proteção efetiva da biodiversidade de Jacarenema se tornar o norte a orientar toda as tomadas de decisão dos desembargadores.
Para o ambientalista Luís Fernando Nogueira Moreira, diretor das entidades ambientais Juntos SOS Ambiental e Associação Nacional dos Amigos do Meio Ambiente (Anama), o Tribunal de Justiça está correto ao condicionar a regularização dos imóveis à implantação do Parque Municipal. No entanto, necessita liberar a imissão de posse imediata dos imóveis desapropriados, para a construção da sede do parque.
“A discussão do valor dos imóveis desapropriados não deveria impedir a posse imediata do município, atrasando a construção do parque que é imprescindível à proteção da Reserva de Jacaranema, bem como a regularização de centenas de empreendimentos no entorno, prejudicando milhares de pessoas cujas moradias respeitam as normas ambientais e são as maiores defensoras do parque”, defende Luís Fernando, que também é morador da Barra do Jucu, uma das comunidades no entorno de Jacaranema.
O ambientalista defende que os desapropriados recebam justa e integral indenização, no valor a ser apurado por perícias judiciais nos processos, mas sem que isso atrase a construção da sede da unidade de conservação. “O meio ambiente e o interesse público, as milhares de pessoas que desejam regularizar seus imóveis, não podem ficar à mercê da discussão do valor devido a alguns poucos desapropriados, cujos imóveis eram terrenos baldios. Esperamos que o Tribunal de Justiça libere logo a posse ao município, independente da discussão do valor da indenização”, pleiteou.