Assinado pelo governador Paulo Hartung, a nova norma baseia-se nas determinações da Lei federal nº 12.651/2012, o chamado Novo Código Florestal, tão duramente criticado pelos ambientalistas em nível nacional, exatamente por descriminalizar as agressões cometidas contra as APPs até 22 de julho de 2008, aumentando portanto a certeza de impunidade de crimes ambientais e incentivando a continuidade de uma cultura de insustentabilidade.
O decreto estadual admite também a “ampliação ou alteração das atividades implantadas em APP de uso consolidado, desde que o uso do solo seja destinado a uma atividade agrossilvipastoril” e, “excepcionalmente”, dispensa “a prévia manifestação do órgão ambiental competente nos casos de ampliação ou alternação de culturas agrícolas ou silvícolas em APP de uso consolidado, ficando as atividades condicionadas à adoção de boas práticas agronômicas e medidas para mitigar risco de agravamento de processos erosivos ou de inundações”.
Em parágrafo único, o texto legal afirma que “o disposto no caput não se aplica a culturas cujo somatório da área cultivada, tanto dentro quanto fora da APP, ultrapasse 100 hectares, devendo a ampliação ou alternação de culturas, nesse caso, ser precedida de autorização do órgão ambiental competente”.
Num momento de intensa crise hídrica, a publicação do decreto é lamentada por camponeses, que fazem coro aos ambientalistas mobilizados contra a versão federal que a antecedeu. “Todo problema da questão hídrica passa pela APP”, sintetiza Valmir Noventa, da coordenação nacional do Movimento dos Pequenos Agricltores (MPA). “Não é só uma questão de cumprir a lei, são áreas especiais, que precisam ser protegidas”, argumenta.
Reconhecendo que muitos camponeses cultivam em APPs, e que a impossibilidade de fazê-lo inviabilizaria a sobrevivência dos proprietários de áreas de até cinco hectares, Valmir Noventa afirma que a posição do Movimento é a de que é preciso políticas públicas que apoiem a recuperação de todas as APPs, o que pode ser feito, por exemplo, através da implantação de Sistemas Agroflorestais (SAFs).
Já para propriedades maiores, as soluções seriam outras. Mas o critério para definir de que forma atuar nas APPs não seria apenas o tamanho, se grande ou pequeno produtor. A questão é: “Quem está conseguindo colocar alimento na mesa do povo? Quem garante um mínimo de preservação, mesmo estando em uma área pequena?”, pontua.
Há comunidades, lembra Valmir, que estão na terra há mais de um século. Gerações e gerações de uma família, que “não têm na sua lógica a destruição da natureza. E que não querem sair dali”, explica. Muito diferente do agronegócio, que só permanece numa região enquanto é viável economicamente, e logo se muda para outra. “Não tem raiz nem coração”, poetiza o camponês.
De qualquer forma, é preciso coibir os abusos, acentua o líder do MPA, porque há pequenos agricultores que lançam agrotóxicos sobre os córregos, e precisam ser orientados e incentivados a mudar. A geografia da ocupação das APPs no Estado precisa ser melhor conhecida e a recuperação dessas áreas deve ser objeto de um programa de governo que defina soluções adaptadas às peculiaridades regionais. Na região serrana, a agricultura familiar ocupa as margens de rios, mas preserva os altos de morro – mais da metade da região tem cobertura florestal conservada.
“O problema do governo é que recuperação ambiental é muito mais midiática”, reclama Valmir. Muitas matérias na mídia hegemônica, com pouco resultado efetivo. “Precisamos correr contra o tempo. Talvez hoje no Brasil, se o governo quer gerar emprego de fato, teria que recuperar as florestas, as APPs”. Quantas pessoas são necessárias pra recuperar uma bacia do Rio Doce ou do rio Cricaré?”, sugere o camponês, antevendo um futuro mais próximo, onde teríamos matas e águas recuperadas, com grande produção de alimentos saudáveis.