A comunidade quilombola do Degredo, em Linhares, no norte do Estado, pede socorro. Impactada pelo rompimento da barragem de Fundão, da Samarco/Vale-BHP em 2015, está sendo vítima de uma tripla negação de direitos por parte da Fundação Renova: não recebimento das indenizações morais e materiais; corte pela metade dos Auxílios Financeiros Emergenciais (AFEs); e ameaça de suspensão do fornecimento de água potável.
A Comissão Quilombola local entende que os ataques consistem em “racismo ambiental institucionalizado das mantenedoras da Fundação Renova”, a saber, as mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton. A comunidade está dentro da área de proibição de pesca pela Justiça Federal e tem mais de 95% dos moradores envolvidos nas atividades de pesca, afirma a Comissão, mas teve seu auxílio financeiro cortado, numa decisão unilateral, sem possibilidade de defesa.
A chegada da lama de rejeitos de mineração, aponta,
contaminou todos os poços de água, tendo sido identificado até arsênio. Mesmo assim, denuncia, a ameaça de suspensão desse serviço já foi anunciada pela Renova para iniciar em novembro, com corte pela metade da cota atual de 15 litros de água mineral/pessoa/dia e, a partir de janeiro de 2022, suspensão total. E isso em pleno verão e, provavelmente, ainda, sob os efeitos da pandemia de Covid-19.
Sobre o abastecimento de água, a Comissão Quilombola aguarda para até a próxima sexta-feira (17), a apresentação ao sistema do Comitê Interfederativo (CIF) – instância criada em 2016 para definir as regras da governança e fiscalizar o cumprimento das ações de compensação e reparação de danos pela Renova – da Nota Técnica 02/2021, já elaborada pela Intercâmara composta pelas Câmaras Técnicas de Saúde, de Segurança Hídrica e Qualidade da Água (SHQA) e Indígenas e Outros Povos e Comunidades Tradicionais (IPCT). O documento recomenda a manutenção do fornecimento de água mineral aos moradores. A Renova, por sua vez, informa a Comissão, já encaminhou ofício ao CIF afirmando que irá fazer o corte escalonado do abastecimento, entre novembro e janeiro próximos.
Quanto ao auxílio financeiro,
os cortes tiveram início em janeiro, assim como em várias outras comunidades atingidas no Espírito Santo. Em fevereiro, em reunião com as comunidades e a Defensoria Pública da União (DPU), a Renova chegou a afirmar que iria reverter a medida, mas, a partir de março, eles continuaram atingindo mais e mais moradores, chegando, em setembro, a quase cem dos cerca de 180 cadastrados.
Cortes, ressalta a Comissão Quilombola, que são feitos sem comunicação prévia aos atingidos, surpreendidos com a redução pela metade do valor apenas no momento em que o pagamento é feito. O caso continua com a DPU, que tenta reverter definitivamente esse processo para retomar o pagamento integral de todos os auxílios emergenciais.
Já as indenizações são acompanhadas pela Fundação Cultural Palmares, que certificou Degredo como comunidade quilombola, dando início ao processo de titulação do seu território. Especificamente em relação ao crime socioambiental das mineradoras, o caráter de comunidade tradicional foi considerado no Estudo do Componente Quilombola, realizado em 2017 pela H&P, consultoria terceirizada contratada pela própria Renova. O estudo apontou nove danos distintos sofridos pela comunidade e a necessidade de uma plataforma específica para executar as indenizações aos moradores do Degredo.
Com base nele, o juízo da 12ª Vara Federal de Minas Gerais determinou o início dos pagamentos para o início de agosto passado, mas, até o momento, nenhum processo foi efetuado. Os únicos moradores indenizados na comunidade, afirma a Comissão Quilombola, foram os que, em situação de maior desespero, acabaram cedendo ao assédio dos advogados particulares e aderiram à Comissão de Atingidos de Linhares, que está fazendo indenizações aos atingidos que assinaram um termo de quitação geral de danos, ou seja, abrindo mão de qualquer outro dano que venha a ser identificado.
Operação que é denunciada pelo Ministério Público Federal (MPF), por causar prejuízos aos atingidos em dezenas de comunidades no Espírito Santo e Minas Gerais.
A Comissão Quilombola ressalta que os valores pagos nesse sistema giram em torno de R$ 10 mil por dano e cada atingido recebe, via de regra, por apenas um dano. Pela plataforma quilombola, é previsto o pagamento de mais de um dano por pessoa, cada um girando em torno de R$ 50 mil.