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Deputados concluem votação e PL do ‘deslicenciamento’ ambiental segue para o Senado

Apontado como “o pior e mais radical já apresentado no Congresso”, projeto só recebeu voto contrário de Helder e Rigoni

Com apoio da maioria da bancada capixaba, a Câmara dos Deputados concluiu, nesta quinta-feira (13), a votação do Projeto de Lei 3729/04, que flexibiliza o licenciamento ambiental no País. Apontado por entidades e pesquisadores como “deslicenciamento”, por livrar da obrigação vários setores poluidores, e considerado o “pior e mais radical projeto já apresentado no Congresso Nacional”, a matéria, que atende a interesses de ruralistas e grande empresários, segue agora para o Senado.

O relatório do deputado federal Neri Geller (PP-MT) não sofreu alterações nesta quinta, após a rejeição de oito destaques. Apesar dos impactos e de praticamente acabar com o licenciamento no País, o texto-base obteve 300 votos favoráveis e 122 contrários.

Do Espírito Santo, apoiaram a proposta os parlamentares Amaro Neto (Republicanos), Lauriete (PSC), Norma Ayub (DEM), Neucimar Fraga (PSD), Da Vitória (Cidadania), Soraya Manato (PSL) e Evair de Melo (PP). Somente Helder Salomão (PT) e Felipe Rigoni (sem partido) se posicionaram contrários. Já Ted Conti (PSB) não votou.

O projeto promove sérias mudanças no processo de licenciamento ambiental do País, afetando diversas comunidades e áreas, mas, contraditoriamente, não realizou debate público, e foi elaborado por meio de lobby de grandes indústrias e empresas de infraestrutura com o governo federal, como denunciam ambientalistas.

Mais de nove redes e organizações, e também ex-ministros de Meio Ambiente, divulgaram notas e manifestos alertando para os danos irreversíveis da aprovação da proposta, que restringe, enfraquece ou até mesmo extingue partes importantes dos instrumentos de avaliação, prevenção e controle de impactos socioambientais de obras e atividades econômicas no país. Em síntese, torna o licenciamento convencional não regra, mas exceção.

Entre as atividades liberadas, estão as responsáveis hoje por promover graves prejuízos ambientais e sociais, como a silvicultura, agricultura e pecuária, além de mais 13 tipos, como obras de redes de distribuição de energia e de manutenção e melhoramento da infraestrutura em instalações pré-existentes, como dragagens, segundo enumera o Instituto Socioambiental (ISA).

Desta forma, a Licença por Adesão e Compromisso (LAC), uma espécie de licenciamento autodeclaratório via internet, passa a ser generalizada para grande parte dos setores econômicos. Estados e municípios também ficam autorizados a adotar procedimentos próprios para atrair investimentos e empresas, sem restrições.

O texto permite ainda a renovação automática da licença ambiental a partir de declaração on-line do empreendedor. Se o requerimento for pedido com antecedência mínima de 120 dias do fim da original, o prazo de validade será automaticamente prorrogado.

Para entidades e pesquisadores, a proposta poderá produzir recordes de desmatamento no Brasil, ao eliminar regras que impedem a destruição da floresta, em geral estimulada por grandes obras de infraestrutura na Amazônia, como estradas e hidrelétricas.

Especialistas também temem ocorrências de novos grandes desastres e crimes socioambientais, como os de Mariana (MG), da Samarco/Vale-BHP, em 2015, que atingiu o Espírito Santo, e Brumadinho (MG), da Vale, em 2019, ambos crimes ainda impunes.

Comunidades tradicionais

O projeto aprovado na Câmara dos Deputados representa ameaça ainda aos territórios indígenas e quilombolas do norte do Espírito Santo e outras regiões do País.

Levantamento do Instituto Socioambiental aponta que, de acordo com a proposta, 297 Terras Indígenas ou 41% do total de áreas com processos de demarcação já abertos na Fundação Nacional do Índio (Funai) seriam desconsideradas para efeitos de avaliação, prevenção e compensação de impactos socioambientais de empreendimentos econômicos. Isso porque o texto prevê o licenciamento apenas para territórios já homologados, isto é, com demarcação já concluída, ou com restrição de uso para grupos indígenas isolados.

“Por igual, limita a avaliação de impactos e as medidas preventivas aos Territórios Quilombolas titulados, suprimindo 87% desses territórios do mapa, para fins de licenciamento”, ressalta manifesto assinado por 28 entidades, entre elas a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoime).

“O objetivo é impor severos impactos às Terras Indígenas, assim como aos Territórios Quilombolas, Unidades de Conservação e áreas de proteção, bem como ao patrimônio histórico e cultural”, ressalta o documento.

As entidades consideram “inadmissível que a emissão de licenças para autorizar empreendimentos com significativo impacto em Terras Indígenas e Quilombolas seja realizada sem qualquer avaliação de impactos e adoção de medidas de prevenção de danos aos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, além da explícita violação ao seu direito de consulta livre, prévia e informada, fazendo de seus direitos, da Constituição da República Federativa do Brasil e de tratados internacionais assinados pelo Brasil, letra morta”, protestam.

UCs

Impactos diretos e indiretos a áreas protegidas também são ignorados pela proposta. O PL 3.729 diz que, quando o empreendimento afetar unidade de conservação (UC) específica ou sua zona de amortecimento, o licenciamento não precisará mais da autorização do órgão responsável por sua administração – no caso federal, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e, no Espírito Santo, do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema).

Urgência

No Senado, a tramitação do projeto enfrentará forte mobilização da sociedade civil nos próximos dias, na urgência de reverter a situação.

Para o consultor jurídico do Instituto Socioambiental (ISA) Maurício Guetta, “o texto aprovado é tão nefasto que, de uma só vez, põe em risco a Amazônia, demais biomas e os nossos recursos hídricos. Ainda pode resultar no total descontrole de todas as formas de poluição, com prejuízos à vida e à qualidade de vida da população”, critica. “Essa proposta pode se transformar na maior ameaça da atualidade às áreas protegidas e aos povos tradicionais”, completa.

A diretora de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica, Malu Ribeiro, faz coro: “O texto não considera a Avaliação Ambiental Estratégica, o Zoneamento Econômico Ecológico e a análise integrada de impactos e riscos, além de excluir o controle social dos princípios do licenciamento ambiental. Dessa forma, afeta diretamente as políticas públicas de recursos hídricos e unidades de conservação”.

Alessandra Cardoso, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), também apontou que “o texto aprovado produzirá uma avalanche de problemas sociais e ambientais não avaliados e não mitigados por empreendimentos de significativo impacto ambiental. Os órgãos ambientais não terão condições de se manifestar em tempo, pois o prazo é impraticável, além de estarem sucateados e silenciados”.

Ela ressalta que os parlamentares aprovaram “um desastre que precisa ser revertido no Senado ou no Supremo Tribunal Federal (STF)”.

A Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag) também expressou sua indignação, ao afirmar que a Câmara “passou a boiada” com a decisão de aprovar o projeto. “A luta será intensificada”, reforçou.


Os capixabas são representados no Senado por Fabiano Contarato (Rede), Marcos do Val (Podemos) e Rose de Freitas (MDB).

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