Casagrande confirma que repactuação do CNJ acabou sem acordo, por falta de cooperação da Samarco/Vale-BHP
Como já vinha sendo comentado nos últimos dias, nos bastidores das negociações entre as empresas e os governos, foi encerrado sem um acordo o processo de repactuação mediado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com vistas a redefinir os valores, prazos e condições das medidas de compensação e reparação dos danos provocados pelo rompimento da barragem de Fundão, da Samarco/Vale-BHP.
Nesta quinta-feira (25), o governador Renato Casagrande (PSB) confirmou a informação, ao postar em sua conta no Twitter que “as empresas responsáveis pelo desastre de Mariana praticamente descartaram acordo para reparar os danos ambientais, sociais e econômicos, apesar das reuniões mediadas pelo CNJ”.
Na postagem, Casagrande destacou que a única solução possível agora para alcançar a reparação desejada é a via judicial. “Diante da insensibilidade com os atingidos, caberá à Justiça cumprir com total rigor o seu papel”.
A desumanidade dos gestores das mineradoras criminosas também é destacada pelo deputado Helder Salomão (PT), relator da Comissão Externa da Câmara Federal dedicada a acompanhar o processo de repactuação via CNJ, cujo relatório final já foi entregue às entidades envolvidas.
“A atitude das empresas é absurda. O ideal seria contar com sua sensibilidade para um acordo justo, mas elas estão preocupadas com o lucro e esquecem dos crimes que foram cometidos”, declarou, reforçando fala feita no início do mês, durante o 1º Encontro de Lideranças Nos Trilhos da Verdade, com pescadores artesanais profissionais atingidos no Espírito Santo e Minas Gerais, realizado em Barra do Riacho, litoral de Aracruz, norte do Estado: “Está fora de cogitação discutir algo que seja menor que R$ 100 bilhões. O começo de conversa é R$ 155 bilhões. É possível que haja espaço para diálogo, mas a flexibilização não pode significar nada inferior a R$ 100 bilhões, porque começa a entrar numa área que pode compromete uma reparação minimamente justa”.
O “recuo das empresas”, avalia Helder, “é uma estratégia para ganhar tempo”. Mas mesmo que não seja possível avançar no diálogo, “haverá reparação e essas empresas serão condenadas; haverá reparação por bem ou por mal. Ou por acordo, ou na justiça”. Nesse caso, salienta, “não nos resta outro caminho senão apoiar as mobilizações dos atingidos e pressionar a Justiça para que seja célere e rigorosa”.
O deputado e relator também enfatizou a grave situação dos atingidos capixabas. “As mortes decorrentes desse crime não aconteceram só no momento do rompimento. Muita gente está morrendo em decorrência desse crime. Os atingidos no Espírito Santo afirmam que há uma diferença básica entre as mortes que ocorreram no Espírito Santo e em Minas Gerais. Aqui elas continuam acontecendo em decorrência dos problemas de saúde provocados pela lama tóxica. E tem muita gente doente, abandonada. Não abrimos mão que haja reparação justa para as famílias atingidas e para os municípios”.
Tempo e dinheiro preciosos
As dificuldades de diálogo com as empresas criminosas já haviam sido relatadas pelo procurador-geral de Justiça de Minas Gerais, Jarbas Soares Junior, também em suas redes sociais, um dia antes. “As passagens para Brasília estão muito caras, o nosso tempo também é precioso, Minas são muitas, embora seja prioridade a garantia de direitos dos atingidos pela tragédia em Mariana e Rio Doce, só voltamos a BSB se houver uma nova proposta minimamente digna das mineradoras”.
Um mês e meio atrás, o procurador-geral já havia levantado a pedra das condições que os governos e órgãos ministeriais esperavam ser propostas pelas empresas. “Tragédia de Mariana: a empresa Samarco/Vale e BHP deve apresentar proposta compatível com os danos causados e o prolongamento dos efeitos na vida das pessoas/natureza/economia dos estados e União. Será difícil colocar todos na mesa novamente. Sem acordo, muitos problemas pela frente”.
Passados sete anos do maior crime ambiental do Brasil e da mineração mundial, os danos persistem em milhares de comunidades atingidas ao longo de 600 km de leito do Rio Doce e no litoral capixaba, diante da postura de negação e autopromoção adotada pelas mineradoras.
Não há segurança para consumo do pescado na região atingida, o que pode levar à proibição total da atividade na região atingida; e a Justiça Federal confirmou a proibição para que Fundação Renova, mantida pelas empresas criminosas, não pode continuar descontando os valores pagos em forma de Auxílio Financeiro Emergencial (AFE) do montante total a ser pago como indenização aos atingidos que aderem ao seu sistema simplificado de indenização, o Novel.
Emaranhado judicial e extrajudicial
Ao confirmar a proibição, o Ministério Público Federal (MPF) destacou que o “emaranhado de medidas judiciais e extrajudiciais visam a recuperar/compensar os prejuízos acarretados ao ecossistema da bacia do Rio Doce e do seu litoral, da qualidade da água para consumo humano, bem como dos incontáveis prejuízos morais, materiais e existenciais sofridos pelos atingidos e atingidas de todos os territórios”.
Uma delas é já citada ação civil pública impetrada pelo MPF em maio de 2016, propondo R$ 155 bilhões de valor global a ser pago em forma de medidas de compensação e reparação dos danos, que teve tramitação paralisada em função dos acordos extrajudiciais firmados, especialmente o Termo de Ajuste de Conduta para a Governança (TAC-Gov), homologado em 2018, mas que vem sistematicamente sendo descumprido pela Renova e suas mantenedoras.
Além das ações no Brasil, há uma aceita na Justiça inglesa, movida pelo escritório PGMBM em nome de mais de 200 mil atingidos contra uma das proprietárias da Samarco, a BHP Billiton, no valor de cinco bilhões de libras, o equivalente a R$ 31 bilhões. Na ocasião do aceite por parte do Tribunal de Apelação de Londres, a expectativa era de que a empresa apresentaria um acordo viável em até noventa dias, conforme declarou o sócio-administrativo do PGMBM, Tom Goodhead.
É o fim da pesca no Rio Doce e litoral capixaba?
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