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Diretores da Renova foram covardes em não comparecer à CPI’, diz Enivaldo

“Covardes” foi o adjetivo usado pelos deputados presentes à reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Sonegação nesta quinta-feira (3) contra os diretores da Fundação Renova. Munidos de um segundo habeas corpus, os executivos não compareceram à Assembleia Legislativa para prestar depoimento, conforme convocação feita na terça-feira (1). 

“Os diretores da Renova se valeram de covardia para não comparecer à comissão”, acusou Enivaldo dos Anjos (PSD), presidente da CPI. “Não vamos medir esforços pra colocar esses assassinos na cadeia. Foram covardes. Quem não deve não teme. Se não estão aqui, é porque devem. Essa Casa aqui é um poder independente. E nós vamos até o fim”, concorou Marcos Garcia (PV). 

O habeas corpus foi rejeitada por Enivaldo. “Juiz de direito não é autoridade competente pra se dirigir a mim. Só desembargador pode se dirigir a um presidente de CPI”, esclareceu, solicitando à secretaria da CPI diversos ofícios, sendo o primeiro ao juiz autor da liminar, Jaime Ferreira Abreu, de Linhares, pra prestar esclarecimentos sobre as medidas que ele tem concedido, sem ouvir a CPI. 

Foto: Tati Beling/Ales

A comissão irá oficiar o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), para investigar a conduta do juiz, e a Bolsa de Valores, para “fazer a Vale e as empresas terem problemas na Bolsa de Valores. Muita gente não sabe que é uma empresa assassina matadora de pessoas e meio ambiente no Espírito Santo e quem compra ações dessas empresas investe em uma empresa assassina”, enfatizou Enivaldo. 

O Tribunal de Justiça do Estado (TJES) também será oficiado, para que explique a substituição de um desembargador pelo juiz Jaime Ferreira Abreu. “Quero que informe se essa substituição do juiz Jaime foi realmente decidida pelo Tribunal, se está de fato substituindo um desembargador, e de quando é esse ato de substituição, para que a gente tenha certeza de que isso não é um ato simulado”, disse o presidente da CPI.

Aniversário fúnebre

Enivaldo propôs ao colega Marcos Garcia, que é de Linhares, a produção de um “aniversário fúnebre” do crime da Samarco/Vale-BHP, no próximo dia cinco de novembro, quando se completam quatro anos do maior crime ambiental da história do país. Entre as ações, estão uma audiência pública na Câmara de Vereadores e o fechamento da BR 101, “pra mostrar pro Brasil o que a Renova está fazendo aqui”. 

O parlamentar também mencionou uma reunião realizada com membros do governo de Renato Casagrande (PSB) e a Renova. “Ontem fizemos uma reunião de quatro horas com a Renova, o Tyago Hoffmann [secretário de Estado de Governo] e o Davi Diniz [secretário-chefe da Casa Civil]. Estamos apertando eles”, disse. 

A próxima reunião da CPI da Sonegação ficou marcada para quarta-feira (9), ao meio-dia, para a qual os diretores da Fundação Renova receberão convocação coercitiva e funcionários do escritório de Linhares da Renova, bem como advogados que já tenham prestado serviço para a Fundação, serão convocados. “Vamos pegar os peixes grandes e também os lambaris”, ironizou o presidente da CPI, dizendo ainda que “gente do Brasil inteiro está ameaçando a CPI por causa da Renova”. 

'Com a Renova, nada se desenrola'

A identificação dos advogados a serem convocados será feita com ajuda da procuradora-geral de Linhares, Nádia Lorenzoni, que, em depoimento nesta quinta-feira, relatou o andamento mais recente do processo judicial do município contra a Samarco na 12ª Vara Federal de Belo Horizonte. Segundo a procuradora-geral, a Vale e a BHP pediram ingresso na ação “para se livrarem do pagamento das indenizações e compensações ambientais”. 

“Ouvi aqui que o município estaria se aproximando da Renova, mas não está não. A Procuradoria sofre toda vez que tem uma ação ou reunião com a Renova, porque nada se desenrola”, denuncia. “Se pro município não tem resultado, quanto mais pra uma comunidade que não tem advogado. Temos R$ 5 milhões de gastos extraordinários pra receber, previsto no TTAC [Termo de Transação e Ajustamento de Conduta] desde 2015”, disse Nádia. 

O motivo do impasse seria a imposição de uma cláusula de renúncia pela Samarco, por meio da qual o município só receberia os R$ 5 milhões  mediante renúncia ao direito de recorrer sobre qualquer outro aspecto relacionado a danos advindos do crime. “Não se pode aceitar a cláusula de renúncia. A quitação sim, desde que no período estabelecido no acordo, mas cláusula de renúncia não. E por não assinar, ainda não recebemos o dinheiro”, explica.

'Até que a gente se revolta'

Além da procuradora-geral, vários atingidos em Linhares também tiveram voz na reunião. Valkimar Bispo Rodrigues, pescador em Povoação, discorreu sobre problemas de saúde afetam toda a comunidade, incluindo as crianças, e pediu que os deputados consigam que a Justiça atue contra a Renova. “A Justiça que agiu com liminar pra Renova, que aja também contra essa empresa, assassina, que traz só destruição pra nossa comunidade. Não temos mais esperança em nada. Pobre não tem como pagar advogado, não consegue liminar na justiça. Pedir que vocês intercedem por nós, porque nós lá na ponta estamos sofrendo”. 

Perguntando por Marcos Garcia há quanto tempo ele aguarda o pagamento de sua indenização, o pescador respondeu que há um ano e oito meses, desde que conseguiu se cadastrar como atingido na Renova. E contou como a Fundação tem adiado os pagamentos de centenas de atingidos. “Fala pra mim o que fala pra todos: pra aguardar. Pede pra trazer um documento, a gente consegue o documento, vai pra análise. ‘Ah, não serve, tem que trazer outro’. E fica empurrando com a barriga. Até que a gente se revolta”, relatou. 

Segundo Valkimar, 40% dos pescadores de Linhares ainda não foram indenizados. Entre os agricultores, ilheiros, comerciantes, artesãos e outros profissionais, ninguém ainda recebeu. “Quando eles olham pra pessoa e vê que a pessoa não entende, oferece metade do valor da indenização. Se ela não aceitar, oferece o valor normal. Mas se assinar logo, paga aquela metade”, disse. 

'Colocou a comunidade um contra o outro'

Foto: Tati Beling/Ales

Milton Jorge, presidente da Colônia Z-6 de Linhares, ressaltou em sua fala a situação de Patrimônio da Lagoa, em Sooretama. “Lá a Renova está ameaçando as pessoas pra sair de casa e ir pra um hotel. São pessoas que vivem na comunidade há mais de 50 anos e estão com medo da ameaça da Renova. A Renova não tem aceito daquela comunidade. Colocou a comunidade um contra o outro, dando oportunidade pra uns e pra outros não. A destruição lá devastou tudo, tirou o lazer e a cultura. Não tem mais campo de futebol, a praia toda tomada”, descreveu. E para o abastecimento de água, os moradores “andam seis quilômetros pra pegar em poço artesiano de outras pessoas pra tomar”.

Milton pediu que os deputados intercedam junto ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) para que proíba a pesca em todo o litoral ao norte da Foz do Rio Doce e em toda a extensão do Rio Doce no Estado. “Ou fecha tudo ou não fecha nada”, resumiu. O Instituto também deveria providenciar que a Renova repovoe com peixes as lagoas de Linhares, pediu Milton Jorge.

Sobre a saúde, o presidente da Z-6 disse sobre o impacto psicológico do crime sobre os moradores da região. “Tem gente está ficando louco e o médico diz que é por causa do transtorno que tem tido na comunidade”.

Complementando o depoimento, José Andrade, moradores de Linhares, disse que “depois dessa maldita lama, eu que já tinha problema de diabete, fiquei muito nervoso, estourei a retina em quatro pedaços. Fiz cirurgia, mas vou perder a vista”. Enivaldo pediu para que o atingido envie documentação que comprove os problemas de saúde relatados, para que a Casa ajuíze o caso dele contra a Renova. 

'Ninguém quer comprar o cacau de Linhares'

Representando os produtores rurais da região, o cacauicultor Paulo Gonçalves disse que a Fundação Renova é “uma cortina de ferro pra Vale e a BHP” e sugeriu que a CPI convoque a diretoria da Vale.  

Nesses quatro anos, Paulo conta que sua fazenda, certificada como produtora de cacau de alta qualidade, para exportação, perdeu 34 dos 46 funcionários que tinha antes da chegada da lama da Samarco, restando apenas 12. A produção que era de quatro mil sacos de cacau, baixou para 400. 

“Minha propriedade era um brinco. Eu que trouxe os clones pra cá, irrigação. De repente virou nada. Já vendi apartamento fazenda, carro trator e não consigo recuperar. Eu tenho mais condição e os outros, menores? Preciso controlar o solo, que tá contaminado. Quanto tempo vou levar pra recuperar?”, indagou.  

“Ninguém aguenta quatro anos sem renda pra manter uma fazenda. Povoação é uma cidade fantasma, as ilhas estão abandonadas, as pessoas estão se suicidando, estão doentes”, lamentou. 

“O Rio Doce tem dois metros de barro, o resto é areia. Quando a água do Rio Doce sobe, os poços sobem também. Quando abaixa, os poços abaixam também. A influência do Rio Doce é de Nova Almeida até São Mateus. As crianças estão doentes, as pessoas contaminadas com a água. Vamos perder a certificação por causa da água contaminada. Ninguém mais quer comprar o cacau de Linhares lá fora, porque sabem o problema do rio. Mas aqui a gente não sabe, porque as pessoas continuam pescando e comendo peixe e se contaminando”, disse. 

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