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Discriminação do Estado contra quilombolas fica evidente em reunião com órgãos públicos

É o técnico do Instituto Capixaba de Pesquisa e Extensão Rural (Incaper) contando que o órgão (só) não tem dinheiro para ir nas comunidades quilombolas; é a representante da Secretaria de Meio Ambiente de Conceição da Barra dizendo de uma comissão criada para ordenar os plantios de eucalipto, afastando-os das comunidades, porém, essa nunca entrou no Sapê do Norte; é o Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal (Idaf) delegando a uma ONG a tarefa de mapear o uso do solo no Território, sendo que ele próprio já tem os dados necessários.

O reconhecimento da discriminação promovida pelo Estado contra as comunidades do Território Quilombola do Sapê do Norte, entre os municípios de Conceição da Barra e São Mateus, ficou evidente durante a reunião entre esses órgãos e os agricultores descendentes de quilombos na região, promovida pela Associação de Programas em Tecnologias Alternativas (APTA) nessa quarta-feira (9), no Centro de Referência em Assistência Social (Cras) de Conceição da Barra.

Os representantes do Estado reconheceram o tratamento diferenciado recebido pelas comunidades e se comprometeram a encaminhar as reivindicações básicas, como assistência técnica; cumprimento dos contratos do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE); apoio ao reflorestamento de nascentes e cursos d'água; afastamento efetivo dos plantios de eucalipto para proteção das comunidade; além de apoio à criação de uma associação cultural e ao reconhecimento do território quilombola tradicional.

A ausência do prefeito Francisco Vervloet, o Chicão (PSDB), e do vice-prefeito Jonias do Braço do Rio (Pros), que também é secretário de Agricultura, não foi justificada, mas o representante da prefeitura, o secretário de Gestão de Políticas de Geração de Emprego e Renda, Jorge Alex, se comprometeu a agendar uma audiência com o chefe municipal e dar retorno em três dias sobre a reivindicação de apoio da prefeitura às ações que a APTA tem desenvolvido no Sapê do Norte, voltadas principalmente ao reflorestamento e à assistência técnica em Agroecologia.

Outra agenda com o município, juntamente com o Incaper, é referente ao cumprimento dos contratos de PNAE e PAA. “Se o agricultor não entrega o que está no contrato, é multado, mas se a prefeitura não paga o valor que está contratado, não acontece nada”, reclama Gessi Cassiano, quilombola que atualmente coordena a APTA.

“Para quem antes dependia de cestas básica do governo, hoje poder produzir para merenda escolar é uma alegria muito grande!”, exulta Gessi, ressaltando, porém, que o cumprimento dos contratos precisa acontecer, pois tem provocado muitos transtornos aos agricultores.

O cumprimento da lei também precisa se estender às empresas produtoras eucalipto e derivados da cana, que concentram a posse da terra na região, imprensando as comunidades quilombolas em ilhas em meio aos desertos verdes. “Que a Fibria [Aracruz Celulose], a Alcon, a Disa e a Bahia Sul também cumpram a lei”, convoca Gessi. 

As respostas sobre a comissão que pode ordenar os plantios de eucalipto e afastá-los das comunidades quilombolas, bem como o apoio aos reflorestamentos que elas já vêm executando, também ficaram para os próximos dias. “Não queremos discutir reflorestamento. Queremos fazer reflorestamento. Embora a gente não tenha destruído as matas, estamos fazendo. Nossa Mãe Terra está ferida, não tem mais água. Precisa fazer”, poetiza a líder quilombola.

“Eles ainda não conseguem entender que o nosso trabalho é conservar as nascentes, as matas, produzir alimentos sem agrotóxicos, cuidar da nossa cultura”, afirma. Agricultura, enfatiza, que está organicamente associada à cultura. “Agricultura sem cultura está perdida no ar”, diz. 

Na época do meu pai, do meu avô, do meu bisavô, quando plantava, ao final do dia, tinha lá a sua ladainha, o seu samba, a sua roda de jongo … Então eu vejo que a agricultura e a cultura têm que caminhar juntas. A ladainha era o meio de agradecer a Deus, o mesmo o jongo. O samba, o jongo, era o meio de festejar e também de agradecer. Era o ‘juntamento’, juntava todo mundo da comunidade para trabalhar. Vejo que se perdeu isso aí”, relata.

Gessi afirma que o resgate dessa cultura depende do reconhecimento do território tradicional, da titulação das terras quilombolas, e do apoio dos órgãos públicos nas funções que lhe competem. “É unindo as forças que a gente ganha força”, brinca com as palavras. “Foi só uma reunião e a gente sabe que em uma reunião só pode mesmo sair promessa. Mas, caminhando juntos, vai fluir e se chegar a soluções”, profetiza. 

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