Últimos Dias em Regência. Com oito minutos de duração, um documentário produzido pelo Grupo de Estudo e Pesquisa em Populações Pesqueiras e Desenvolvimento do Estado (Geppedes) retrata o clima de apreensão e incertezas que predomina em Regência, Linhares (norte do Estado), com a chegada da onda de lama dos rejeitos da barragem da Samarco/Vale rompida em Mariana (MG).
Na vila de pescadores está localizada a foz do rio Doce, onde a lama encontrou o oceano na tarde deste sábado (21) – foto ao lado. Os relatos mostram que as famílias estão há dias sem dormir, sensibilizadas não só com a perda da referência que o manancial sempre representou para a vila, como devido ao temor do que será deixado para as futuras gerações.
“É a população humilde que depende do rio, não as empresas”, diz um dos pescadores do documentário. “A morte está chegando e vai matar quem está aqui na Boca do Rio”, sentencia outro.
Eles lembram que a comunidade já vem enfrentando dificuldades devido à seca do rio Doce e assoreamento, o que interferiu também no abastecimento de água aos moradores. Há dias isso é feito por poço artesiano e caminhões-pipa, já que o rio salinizou, com a baixa vazão e o avanço do mar.
A situação agora se agravou porque a navegação e a pesca já estão proibidas, impedindo que as famílias garantam seu sustento. Com a contaminação pela lama de rejeitos, a atividade se tornará impraticável. Além disso, preocupam os moradores os impactos ao meio ambiente e à qualidade da água, e à própria alimentação dessas famílias.
As entrevistas também revelam que a comunidade está desassistida tanto pelo poder público como pelas empresas responsáveis pela tragédia. O Estado não dá respostas e a mineradora também não aparece. “Ninguém chega aqui para conversar. E tem alguém culpado, né? Tomara que esse alguém chegue para conversar logo, porque a situação é crítica e delicada”.
“Estamos preocupados porque estamos vendo uma certa comodidade da empresa, por ela ser uma financiadora de grandes políticos. Eles não estão preocupados com a comunidade e sim com a questão empresarial de geração de renda e emprego, e não da vida. Estão preocupados em resolver o problema de voltar a gerar renda para a empresa”.
Outro temor é em relação ao processo que pretende instalar o porto da Manabi na região, o que também irá impactar Regência. Assim como tem acontecido agora na questão de lama, o documentário mostra que a ausência de informações e da presença do poder público na vila têm gerado conflitos dentro da própria comunidade, o que divide e desmobiliza, uma estratégia que atende aos interesses das empresas e seus grandes projetos impactantes.
“A gente teme que a situação caia no dilema de ter que salvar Regência’ ou ‘ter que salvar o mar”.
Os autores do documentário são Daniela Zanetti, João Paulo Lyrio Izoton e Ana Oggioni.
Pedido de socorro
A comunidade de Regência vem fazendo insistentes apelos para que a onda de lama seja contida antes de chegar à foz do rio Doce.
O mais recente deles foi feito na página Regência Surf, no Facebook, e denuncia a omissão em relação às comunidades da área – além de Regência, o distrito de Povoação.
“Depois de todos os pedidos e manifestações, nada foi feito até agora para que essa lama não chegue até Regência e a foz do rio Doce.
A comunidade alerta que está em risco o futuro de 900 famílias, fora os moradores de Areal, que fica a seis quilômetros de Regência, e os ribeirinhos.
“Continuamos gritando por socorro e que nossas autoridades e os órgãos competentes tenham cuidado para não tomar decisões que poderão prejudicar a vida de muitas famílias, que estão aqui sem nenhum tipo de assistência ou orientação”.
Sem renda
O temor dos pescadores de Regência é sentido pelas famílias que dependem da atividade em Baixo Guandu e Colatina, cidades do noroeste do Estado, que já vivem os efeitos da chegada da onda de lama.
Em contato com os rejeitos, os peixes do rio Doce morreram e não há qualquer expectativa em relação à renda que irá sustentar suas famílias a partir de agora. O desespero é o mesmo para os vendedores de peixes e produtores de redes de pesca.
Os pescadores que fizeram estoque para vender antes da enxurrada de rejeitos estão com as vendas paradas. Com medo de contaminação, a população se recusa a consumir peixe. “Nem nos restaurantes as pessoas querem peixe e até os de água salgada não têm saída”, contou o prefeito de Baixo Guandu, Neto Barros (PCdoB).
Uma reunião entre os pescadores do município e a Samarco/Vale foi realizada nessa quinta-feira (19), cobrando medidas da empresa para a situação dessas famílias. Ainda não há, porém, qualquer resposta. Neto Barros alerta, ainda, que os pescadores não estão recebendo o benefício referente ao defeso.
Vídeo publicado no Facebook mostra a quantidade de peixes mortos com a chegada da lama em Baixo Guandu e denuncia a tentativa da Samarco/Vale de maquiar o cenário.
https://www.facebook.com/neto65/videos/10205021717855693/?pnref=story