As mesmas tensões históricas que caracterizam as polarizações de forças na sociedade contemporânea explicam também como tem se dado o processo de intensificação da degradação ambiental no município de Vila Velha, na região metropolitana da Grande Vitória.
“A invocação das prescrições geradas unilateralmente pelo poder público não é conveniente, racional, confiável e efetiva, resultando em invalidação das leis. A invocação não promove alterações no funcionamento dos órgãos públicos, apenas a liberação mais abrangente de licenças para a indústria da construção civil, em novas áreas e com coeficientes de aproveitamento mais amplos”, descreve o biólogo Marcelo Sathler em seu livro “Jacarenema, a arena: um parque redutor de desastres urbanos sob risco de urbanização”.
O livro, publicado como e-book pela Editora Pedregulho, é fruto da dissertação de mestrado em Ecologia que o biólogo realizou, com estudos em Ciências Políticas, pela Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade de Atibaia, em São Paulo.
Na publicação, Marcelo realiza um estudo sobre a arena política em torno do Parque Natural Municipal de Jacarenema e sua relação com um dos maiores flagelos ambientais do município, que são os constantes alagamentos – um problema ainda longe de uma solução, apesar das sucessivas promessas de um certo “programa de macrodrenagem”.
“O Parque é um grande reservatório de água, assim como sua zona de amortecimento. Todo os estudos apontam para não se fazer ocupação daquela área, mas a pressão da construção civil quer que a área seja alvo de especulação”, resume Marcelo.
O biólogo é taxativo ao afirmar que “Não vai ser uma solução tecnológica para os problemas de Vila Velha enquanto não for respeitada a geografia da cidade, que é muito baixa e próxima de vários corpos d´água”, explica. Cercada pela Baía de Vitória, Rio Jucu, Rio Marinho e o mar, a cidade precisa interromper o fluxo de crescimento urbano e populacional em direção ao litoral e às áreas mais baixas.
Inundações, pobreza e doenças
“Quem tem dinheiro vai pra onde não tem inundações e a maioria acaba tendo de ir para áreas de inundações, que se tornaram praticamente anuais, sofrendo também com doenças e violência, porque cria bolsões de pobreza”. O projeto de um porto de águas profundas também merece destaque na publicação, como mais um fator que pode piorar a situação próximo ao litoral da cidade.
Uma pesquisa posterior ao Mestrado, em curso atualmente com uma universidade do município, pretende identificar as relações entre inundações e doenças, como leptospirose, hepatite A e esquistossomose.
Apesar dos dados disponíveis no momento pelo sistema de saúde público “serem muito ruins”, eles indicam que “a maior concentração de casos dessas doenças ocorre exatamente nas áreas mais afetadas pelas inundações”, onde também está a maior parte da população com menor poder aquisitivo, que foi lançada para regiões mais ambientalmente vulneráveis em cada um dos estágios de crescimento da cidade, nos anos 1920, 1950, 1970 e 1980, especialmente nesses dois últimos. “O conhecimento a respeito da hidrografia do município e como a pavimentação do solo afeta a macrodrenagem deve ser inserido no cotidiano dos munícipes”, sugere.
O poder da informação
A solução, aponta o autor, está na qualificação da informação e em sua repercussão nas discussões sobre o Plano Diretor Municipal (PDM), que “precisa ser participativo e democrático”, afirma.
Mas é essa qualificação da informação um dos principais gargalos da atualidade, em que a chamada mídia hegemônica reproduz os discursos das elites políticas e econômicas, interessadas na manutenção da população em estado de ignorância, descrença e apatia. E em que os veículos independentes e engajados na emancipação popular, ainda são minoria. Nesse sentido, o ecólogo destaca o papel de Século Diário, que “faz a cobertura completa do conflito” e é o “único jornal que fez uma cobertura isenta do assunto”.