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‘ECO 101 economiza em asfalto e toda sociedade paga a conta ambiental e climática’

Cientistas criticam parlamentares e ANTT por aceitarem permanência da BR 101 dentro da Rebio de Sooretama

“A concessionária está contabilizando apenas o gasto com a obra, com asfalto. Mas quem vai pagar o ônus ambiental e climático?” O questionamento é do professor da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) Luiz Fernando Magnago, doutor em Ecologia e pesquisador dedicado há mais de uma década à Reserva Biológica (Rebio) de Sooretama e demais remanescentes florestais preservados em seu entorno, no norte do Espírito Santo.

Leonardo Merçon/Instituto Últimos Refúgios

“Os serviços ecossistêmicos que a Reserva oferece beneficiam toda a população, mas o cálculo [do valor monetário desses serviços] sequer foi feito, o Ibama [Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis, responsável pelo licenciamento ambiental da duplicação] não pediu isso no licenciamento”, aponta o especialista, ao repercutir as declarações públicas feitas nesta sexta-feira (6) pelos deputados federais Ted Conti (PSB) e Da Vitória (Cidadania) a respeito do licenciamento ambiental da duplicação do trecho norte da BR 101, sob concessão da ECO 101.

Presidente da Comissão Externa de Fiscalização do Contrato da BR 101/ES na Câmara dos Deputados, Ted Conti relatou decisão que teria sido tomada durante reunião realizada com a Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT), o Ibama e o ministro de Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas.
“A boa notícia é que o trecho de 25 km que compreende a Reserva de Sooretama vai ficar fora do contrato de duplicação. Nós vamos duplicar da Serra até Sooretama e, após Sooretama, até o município de Mucuri, na Bahia”, disse, informando ainda que o Ibama aguarda estudos mais detalhados sobre outras áreas de preservação na região e que, “após esse estudo nós conseguiremos a licença prévia e logo em seguida a licença de instalação”.
Coordenador da bancada capixaba na Câmara, Da Vitória seguiu a mesma linha, afirmando, pouco depois, que “não há mais motivo para a Eco 101 não iniciar imediatamente a duplicação do trecho Norte da BR-101”, alegando que o órgão licenciador “acatou a proposta da bancada federal em liberar a duplicação de todo o trecho na região norte do Espírito Santo, separando a Reserva de Sooretama”.
“Defesa rasa”

Também pesquisador experiente da biodiversidade da região, o professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Aureo Banhos, doutor em Genética, Conservação e Biologia Evolutiva, lamenta “a defesa rasa” dos parlamentares, resultado, acredita, de “falta de conhecimento de causa” e ausência de escuta a “quem entende e faz a gestão há décadas a duras penas daquele território”. 

Leonardo Merçon/Instituto Últimos Refúgios

Os convites feitos para visitar a região e ver de perto o problema ambiental causado pela presença ilegal da rodovia dentro da Reserva e sua área de amortecimento, conta o cientista, foram feitos, mas todos ignorados. “O procurador da República no município na época [em 2015 e 206] foi e entendeu a questão. A população de Linhares já se manifestou formalmente a favor do desvio [na audiência pública do Ibama em 2019]. Mas os parlamentares continuaram ignorando esses fatos”, reivindica.

Fragilização contínua da floresta
Em coro com o colega cientista, Luiz Fernando Magnago lembra que “a conta ambiental e climática” da degradação das áreas protegidas pela presença da rodovia vai continuar sendo paga pela sociedade. A não duplicação dos 25 km que atravessam a Rebio e sua zona de amortecimento, explica, traz apenas o benefício de evitar o desmatamento de uma faixa de floresta em cada lado da rodovia, bem como a criação de uma nova área sob o chamado “efeito de borda”. O ecólogo estima que 50,9 mil toneladas de carbono serão mantidas na floresta com a não duplicação.

A floresta da Rebio Sooretama estoca, em média, 170 toneladas de carbono por hectare e as áreas sob efeito de borda, 66% desse valor, segundo ele pôde medir em sua pesquisa de doutorado. “Há áreas que estocam até 400 toneladas, outras 120”, complementa.

Considerando o desmate de 20 metros de floresta de cada lado da pista para a duplicação, ao longo de 25 km, 36,4 mil toneladas de carbono seriam imediatamente liberadas da vegetação cortada.
Em curto prazo, a esse valor se somaria o carbono liberado a partir do efeito de borda sobre a área da floresta que, até então interiorana, passaria a ser estar exposta às perturbações da rodovia limítrofe. A faixa de borda se forma em cerca de 50 metros de cada lado da pista. Considerando toda a extensão cortada pela rodovia, seriam 250 hectares de floresta impactados. Originalmente estocando 42,5 mil toneladas de carbono, a área perderia 34% desse montante, ou seja, 14,5 mil toneladas.

As maiores perdas de carbono, explica, acontecem nos primeiros sete a oito anos do efeito de borda e afetam primeiramente as árvores maiores e mais densas. “Quando forma uma borda, essas árvores mais duras morrem primeiro. Ocorre uma substituição, de uma floresta de árvores altas e de madeira dura, por uma floresta de árvores baixas e de madeira mole”.
Reprodução Parques do Brasil

Os impactos da presença da rodovia, no entanto, não se limitam às áreas de borda, e minam pouco a pouco a resiliência da floresta, com a entrada de espécies invasoras ao ambiente e de caçadores, além de outras ameaças. É muito visível, conta Luiz Fernando, a perda de espécies animais de maior porte.

A redução das populações de antas e queixadas, por exemplo, que são grandes dispersores de sementes grandes, reduz a capacidade de regeneração das árvores grandes e, consequentemente, consiste em outro vetor de perda da capacidade de estocar carbono dentro da floresta, que se torna cada vez menos biodiversidade, menos potente e mais vulnerável.

Má gestão
Dados científicos como esses, reforça Aureo Banhos, ainda não entraram na análise do Ibama e precisam ser considerados para que seja tomada a decisão certa. “Importante que os parlamentares, através de suas assessorias, mergulhem no entendimento do estudo de impacto ambiental e considerem também as manifestações da sociedade através das audiências públicas que foram formalmente realizadas pelo Ibama, bem como também considerem as manifestações que estão sendo feitas tecnicamente pelos gestores, ambientalistas e pesquisadores que atuam nesse complexo de áreas protegidas de Linhares e Sooretama. A gente já se manifestou, já encaminhou para esses parlamentares a nossa preocupação e encaminhou inclusive para o Ibama pra ser considerada em sua análise. Até agora não foi feita nenhuma manifestação sobre isso, a não ser essa precipitada dos parlamentares de que a rodovia vai ser mantida dentro da área de Sooretama e sua zona de amortecimento”, expõe.

O crescente fluxo de veículos na BR 101, ressalta, tende a continuar aumentando os impactos sobre a floresta, como ocorre desde sua construção, feita ao arrepio da legislação ambiental na época, quando o Código Florestal já vigorava. 

João Marcos Rosa

O trecho de 25 km que corta a Rebio registra o maior índice de atropelamento de morcegos do mundo, salienta o biólogo, citando estudo publicado recentemente em conjunto com outros acadêmicos brasileiros. Os cientistas estimam que mais de um milhão de animais já foram atropelados nesse trecho até hoje. A redução do limite de velocidade para 60 km/h mostrou-se eficiente enquanto vigorou, no início da década de 2010. Mas, após a entrada da ECO 101, o limite subiu para 80 km/h, voltando a subir o número de atropelamentos. A gestão feita pela concessionária também tem mostrado “muito descaso na margem da rodovia”, avalia, citando desmatamentos, lançamento de lixo e entulhos de obras.

Atento aos alertas dos cientistas e da sociedade, o deputado federal Helder Salomão (PT) afirma que a defesa da manutenção da BR 101 dentro da Rebio, declarada por Ted Conti e Da Vitória, não reflete a posição da bancada capixaba. “Fui surpreendido com essas declarações”, disse, também nesta sexta-feira.
Solução social, econômica e ambiental
“Defendo que não só não seja feita a duplicação no trecho da Reserva, mas que a estrada seja retirada lá de dentro e que seja feito o contorno a oeste, porque preserva a floresta que tem grande importância pro Espírito Santo, o Brasil e o mundo. Além disso, o contorno a oeste cria uma dinâmica que potencializa o desenvolvimento econômico e social daquela região. Assim, nós conseguiríamos resolver o problema que está naquele trecho da reserva e ainda teríamos um novo corredor de desenvolvimento”, pondera.

Apesar da negativa da ANTT e da concessionária em considerar essa alternativa, desde o início do licenciamento, a mudança do traçado originalmente posto no licenciamento ainda é possível de ser feita. “O contorno de Iconha não estava incluído no contrato inicial. Isso é só um exemplo de que é possível ocorrer uma mudança dessa envergadura também na região de Sooretama”, argumenta o deputado. 

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