Já Ibama é pressionado pelo MPF, ANTT e Ales para justificar e sanar demora na análise do licenciamento ambiental
Para uma empresa que tem o prefixo “eco” em seu nome, exaltando, portanto, o aspecto ecológico e de proteção ambiental de seu trabalho, é absolutamente contraditório que não haja qualquer movimentação concreta no sentido de dar o tratamento especial adequado a uma Reserva Biológica (Rebio) do porte da de Sooretama, no norte do Espírito Santo, entre os municípios de Linhares e Sooretama.
Com 27 mil hectares de floresta primária, abrigo de incrível biodiversidade, incluindo animais de grande porte não mais encontrados em outras unidades de conservação de proteção integral do Estado, como onças-pintadas e harpias, a Rebio Sooretama é a maior unidade de conservação em solo capixaba e forma, junto com a contígua Reserva da Vale, um maciço de 50 mil hectares, o maior remanescente de Mata Atlântica de Tabuleiro do país.
Se tais dados, amplamente conhecidos pela comunidade científica e ambientalista capixaba e brasileira, não conseguiram sensibilizar a concessionária a realizar um trabalho diferenciado nos 25 km da BR que cortam a floresta, há realmente uma contradição grave entre seu nome e sua atuação efetiva no Estado.
O licenciamento ambiental foi solicitado ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em abril de 2014, mas até o momento, sequer a Licença Prévia foi concedida, mesmo após inúmeras idas e vindas de documentos, em que o órgão licenciador afirma a impossibilidade de duplicar o trecho ambientalmente sensível da rodovia, sendo recomendado um contorno por fora da Reserva e sua zona de amortecimento.
A empresa, por sua vez, com apoio da Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT), afirma a impossibilidade de fazer o contorno, que demandaria, no melhor dos traçados previstos, 21 km a mais de estrada em relação ao projeto original, ao custo de R$ 15 milhões por quilômetro.
O impasse foi exposto durante reunião realizada virtualmente nesta quinta-feira (6) pela Frente Parlamentar de Fiscalização da BR-101, criada para fiscalizar o contrato de licença para administração, manutenção e recuperação da BR-101 firmado em 2013 entre a ANTT e a concessionária Eco101, com duração de 25 anos. A BR-101 percorre o Espírito Santo de norte a sul, em um total de 461,1 km.
No encontro, o presidente da Frente, deputado Gandini (Cidadania), procurou saber sobre quando será possível ter um cronograma factível para o licenciamento e emissão da Licença Prévia, a partir de uma decisão em relação à proteção da Rebio, o que de fato garantiria o caráter “eco” da obra e traria coerência com o nome da concessionária.
“Não há por parte do Ibama nenhum indicativo de que irá abrir mão da Reserva, até porque depende mais do Instituto Chico Mendes [de Conservação da Biodiversidade – ICMBio]. E da parte da Eco101 não há pré-disposição em fazer esses contornos”, resumiu Gandini, no avançar do debate.
“Nossa proposta é a supressão de duplicação nos 25 km que englobam a Rebio de Sooretama e sua zona de amortecimento. Um contorno dessa magnitude foge totalmente ao contrato”, afirmou o diretor-presidente do grupo Eco Rodovias, Alberto Lodi, sendo seguido pelo diretor-superintendente da Eco101, Eduardo Auchewski Xisto.
Em sua apresentação, Xisto mostrou os trechos que já foram duplicados no Estado, somando 43 km, correspondendo portanto a cerca de 20% dos cerca de 200 km previstos no contrato, que deveriam ter sido concluídos em seis anos. Mostrou também outras obras, como passarelas, contornos e viadutos, construídos principalmente na região metropolitana e porção sul da rodovia, para então justificar que “a empresa já arrecadou em torno de R$ 1,2 bilhão e investiu R$ 1,8 bilhão, tendo sido feito, então, até dezembro de 2020, aporte de R$ 644 milhões por parte dos acionistas”.
Eco101 ‘empurra com a barriga’
Já o analista do Ibama Marcus Bruno Malaquias Ferreira ressaltou que o problema que ocorre na BR é semelhante ao caso do Porto Manabi, também no norte do Estado, porém, lá “a questão da incompatibilidade legal de localização foi detectada antes do projeto”.
“O grande problema desse processo é o modelo de gestão ambiental praticado no nosso país, em que só se olha a questão ambiental na hora do projeto. O licenciamento ambiental não consegue abarcar tudo. Nos países desenvolvidos, as questões ambientais são observadas antes da etapa de projeto, com instrumentos como avaliação ambiental estratégica. Na Holanda, o Ministério do Meio Ambiente é chamado de Ministério do Meio Ambiente e Planejamento Espacial. Aqui a gente dissocia essas questões e deixa para o momento do licenciamento, que não consegue abarcar”, explicou.
Ao ler trecho de um documento encaminhado à Eco101 pelo superintendente da ANTT André Luis Freire, em resposta a uma carta onde a empresa aborda as dificuldades com o licenciamento ambiental, Gandini destaca a argumentação da Agência no sentido de que, caso o Ibama não aceite a exclusão da duplicação apenas no trecho ambiental de 25 km, “subsidiariamente cabe à concessionária avaliar a exclusão da duplicação do trecho da Rebio, sua zona de amortecimento e o restante do segmento sentido norte até o término do trecho concedido [no município de Mucuri, no sul da Bahia], mantendo-se as terceiras faixas para pontos críticos de tráfego”.
“O Ibama pode não concordar com a exclusão dos 25 km por entender que haverá impacto sobre a Reserva, de qualquer forma”, comentou Gandini. Por isso, “é importante haver uma posição do Ibama, ou rejeitar ou acatar essa proposta, para alterar o contrato, se for necessário”, pontuou.
O prazo para essa resposta, segundo disse o também analista do Ibama presente na reunião, é o próximo mês de junho. Na reunião anterior da Frente, no final de abril, o analista já havia sido incisivo em relação à postura da concessionária.
“Essa situação é confortável para eles, não apresentam alternativa de desvio de propósito, para empurrar com a barriga. Eles sabem disso, por que não apresentam um desvio viável e bem estudado? Eles falam que o impacto social do desvio é maior, que a obra vai ser cara, que vai pesar no pedágio, uma série de argumentos que não cabem”, disse Borges, enfatizando que a licitação deveria ter previsto de forma mais detalhada a questão da Reserva de Sooretama.
Na ocasião, Gandini questionou se a Eco101 não estava sendo “premiada” com a não concessão do licenciamento. “A lei não impõe que eles têm que resolver, então ficam operando, cobrando pedágio, fazendo manutenção, e não fazem a duplicação em trecho algum. Por isso perguntei por que não poderia liberar as outras partes”, frisou.
Na reunião desta quinta-feira, o relator Marcos Garcia (PV), pediu que o presidente Gandini faça uma solicitação à bancada federal capixaba no Congresso para empreender “uma ação junto à Procuradoria Geral da União para verificar o contrato [entre a Eco101 e a ANTT] para gente entender quem está certo e quem está errado. É uma concessão federal, é a bancada federal quem pode fazer isso”, disse, solicitando também que seja pedido apoio do Ministério Público Federal (MPF) para impedir a instalação de radares na rodovia. “Primeiro eles devem entregar a obra, depois colocar os radares”, posicionou.
MPF
Coincidentemente, também nesta quinta-feira, o MPF/ES divulgou uma Recomendação feita ao Ibama para que explique, dentro de um prazo de 20 dias corridos, os motivos da demora na análise do pedido de licenciamento ambiental da BR-101 (procedimento administrativo 02001.003438/2014-79).
No documento, o MPF afirma que é uma “afronta aos regramentos normativos específicos – artigo 14, da Resolução nº 237/1997 do Conama – e aos Princípios Constitucionais da Eficiência e Moralidade (art. 37, da CF) que asseguram a celeridade de sua tramitação e duração razoável”.
Segundo o procurador da República André Pimentel Filho, autor da recomendação, a autoridade ambiental “não tem permissão para adiar, de modo indefinido, a conclusão do procedimento administrativo em questão, ignorando a realidade existente e o interesse público na célere implementação das melhorias projetadas para parte do trecho Norte da BR- 101 e contratadas pela União” e que “não é exagero registrar que a ausência de duplicação de trechos produz, diariamente, mortes que seriam evitáveis”.
Soluções
Soluções para a questão ambiental não prevista no projeto da duplicação no norte do Estado têm sido apresentadas por especialistas ao longo de todo o longo processo de licenciamento, sendo um marco nesse sentido um workshop internacional organizado pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e a ONG Instituto Últimos Refúgios.
“Não somos contrários à duplicação, só queremos a rodovia mais segura para as pessoas e os animais”, afirmou o professor da Ufes Áureo Banhos na ocasião. Diante das possibilidades, que já constam no estudo contratado pela concessionária Eco101, salientou o pesquisador, a pior delas é a duplicação no trecho que corta as reservas. “É uma alternativa muito pobre diante de um cenário tão rico”, pondera. Até porque, complementou o analista ambiental do ICMBio na Reserva Biológica (Rebio) de Sooretama, Marcel Redling Moreno, “não duplicar vai manter o problema atual, que é gravíssimo”, disse, referindo-se aos atropelamentos de animais silvestres, que causam também acidentes, ferimentos e mortes também de pessoas.
Entre as demais medidas emergenciais possíveis, o grupo propõe: a redução da velocidade dos veículos para menos de 60km/h (o que aumenta em apenas cerca de seis minutos o tempo de viagem no trecho); a instalação de radares inteligentes, que revelam a velocidade média do veículo no trecho monitorado; e a realização de campanhas de sensibilização.
Em 11 agosto de 2016, a construção de faunodutos e o cercamento do trecho da BR-101 para conduzir os animais até os túneis e passagens foram cogitadas como medidas contempladas no licenciamento ambiental da duplicação da rodovia pela Eco101, em sessão extraordinária da CPI dos Maus-tratos contra Animais, realizada na Câmara de Linhares.