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Educadores reagem a retrocessos promovidos pelo governo na Educação do Campo

Educadores e educadoras de 16 estados do Brasil, ao todo 224, se reuniram durante duas semanas no Centro de Formação Maria Olinda (Ceforma), em São Mateus (norte do Estado), para o V Curso Nacional de Pedagogia do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e também aprofundar conhecimentos em torno do Projeto Educativo do MST e celebrar os 30 anos do Setor de Educação no Movimento.

Emblemático nesse processo formativo, tendo sido o realizador do I Seminário Nacional de Educação do MST, o Espírito Santo é também, hoje, um dos que mais tem sofrido retrocessos no setor. 

 
Em meio às atividades de formação desenvolvidas no curso, os participantes discutiram formas de solucionar os problemas gerados pelo governo Paulo Hartung, numa clara tentativa de destruir as escolas rurais e, principalmente, a Pedagogia da Alternância.

Mais de 50 escolas rurais já foram fechadas em todas as regiões do Estado. E as que ainda estão abertas – muitas delas a partir de uma resistência política incisiva das próprias comunidades – têm sofrido seguidos investidas com o objetivo de inviabilizar seu funcionamento.

Salários cortados pela metade

A postura do governo estadual, considerada agressiva pelos movimentos do campo, chegou, no ano passado, ao ponto de cortar pela metade os salários dos educadores, com a decisão de que somente seriam remuneradas as horas dedicadas ao Tempo-Escola.

Explica-se: a Pedagogia da Alternância – criada em 1935 na França, trazida para o Brasil na década de 1960 e fortalecida por meio do Movimento Promocional do Espírito Santo (Mepes) na mesma época – tem como pressuposto metodológico o Tempo-Escola e o Tempo-Comunidade.

Na prática, o estudante alterna uma semana em tempo integral na escola e uma semana em tempo integral em casa, com a família e a comunidade. A dedicação dos educadores, no entanto, acontece nos dois momentos, por meio dos Planos de Estudo e outras atividades desenvolvidas, mesmo quando o aluno não está na escola.

Numa decisão autoritária e que atropela os fundamentos científicos e marcos legais que amparam a Pedagogia da Alternância, o governo Paulo Hartung passou a remunerar os professores apenas pelo seu Tempo-Escola. “É a primeira vez que vi isso acontecer desde 1995, quando comecei a trabalhar com a Pedagogia da Alternância”, destaca Valdinar dos Santos, coordenador estadual do Setor de Educação do MST/ES.

Militantes e cientes da importância de dar continuidade à Pedagogia, apesar do desrespeito e dificuldades financeiras pessoais, os educadores mantiveram o mesmo ritmo de trabalho. Este ano, porém, duas novas medidas objetivam dispersar os educadores que tradicionalmente atuam nas escolas do campo: o fim dos editais de contratação de professores específicos para o meio rural e a limitação de uma inscrição (uma disciplina) apenas por professor.

 

'Tempo-estrada'

Os editais específicos preparam os candidatos para as especificidades da Pedagogia da Alternância, especialmente com relação à dedicação maior exigida. Sem essa preparação, é possível que muitos professores contratados encontrem dificuldade em se adaptar.

Já a limitação de disciplina vai obrigar os educadores a trabalharem em mais de uma escola, perdendo grande tempo de deslocamento, o que já é complicado na cidade e fica ainda mais difícil diante das grandes distâncias entre escolas no campo. Esse “tempo-estrada” (com perdão da ironia) visa impossibilitar a manutenção de vínculo com a comunidade escolar, desestruturando a coesão educador-escola-comunidade, tão fundamental para o sucesso já amplamente reconhecido desta Pedagogia no aprendizado libertador que ela promove.

Valdinar explica que, até então, o professor se inscrevia no edital pra História e Geografia, por exemplo, por serem matérias próximas. Com isso, preenchia sua carga horária em uma mesma escola e assim se dedicava integralmente às questões daquela escola e comunidade. “De uns dez anos pra cá, a gente tem um grupo quase que permanente de educadores. Conseguíamos equilibrar as cargas horárias, pra que todos tivessem responsabilidades e remunerações semelhantes. Agora isso pode acabar”, denuncia o coordenador.

Uma Moção de Repúdio foi preparada pelos participantes do Curso, em São Mateus, denunciando essas e outras medidas do Governo Paulo Hartung.

Leia na íntegra:

 

MOÇÃO DE REPÚDIO DOS EDUCADORES E EDUCADORES DA REFORMA AGRÁRIA AO TRATAMENTO DADO À EDUCAÇÃO DO CAMPO PELO GOVERNO DO ESTADO DO ES
 
Somos 224 militantes, educadores e educadoras de acampamentos e assentamentos de 16 estados do Brasil, reunidos no Centro de Formação Maria Olinda – CEFORMA, no município de São Mateus, durante os dias de 16 a 30 de janeiro de 2017, compondo a V Turma do Curso Nacional de Pedagogia do Movimento Sem Terra,para estudo e debate sobre Pedagogia do MST. 

 

Vimos através deste documento denunciar e repudiar publicamente a forma que o Governo do Estado do Espírito Santo, através da Secretaria Estadual de Educação (SEDU) vem tratando a Educação do Campo, em especial a Pedagogia da Alternância nas Escolas de Assentamentos deste Estado. 

 

Desde outubro de 1985, com a primeira ocupação no ES, surge a demanda por Escola nas áreas de Reforma Agraria, uma escola própria de acordo com os sonhos e a luta das famílias Sem Terra, entendendo que apenas a conquista da terra não era suficiente. Com este desejo, de uma educação que dialoga com os camponeses surge a educação nas áreas de Reforma Agrária do ES.

 

Então, dentro das experiências de educação que vinha acontecendo a nível nacional, no ES as escolas de assentamento optaram desde sua origem pela Pedagogia da Alternância. Por ser uma pedagogia que vinha sendo praticada desde o início da década de 1970, no Norte do ES pelas Escolas Famílias Agrícolas – EFA. Também pelo fato de que muitos jovens de assentamentos estavam nestas escolas.

 

A Pedagogia da Alternância nasce na França em 1935, como resposta aos desafios que os camponeses encontravam na época. Como a não escolarização dos filhos e os que estudavam na cidade dificilmente voltavam para o campo.

 

No Brasil esta experiência chega dos anos 60, com o padre jesuíta Humberto Pietogrande e sob a influência das Scuole Della Famiglia Rurale da região de Veneto, na Itália. E para manter esta experiência pedagogia cria-se o Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo – MEPES (MEPES, 2016). Destaca-se que neste período, dos anos 1960, o Brasil passava por grandes transformações econômicas e políticas. O que ocasionava o êxodo rural e muitas famílias deixavam suas terras e migrando para os centros urbanos (seja por melhores condições de vida ou por imposição do modelo econômico da época).

 

Assim, com a aprovação em 1992, pelos CEE, do Projeto de “Escola Popular de 1ª a 8ª série dos assentamentos rurais do Estado do Espírito Santo”, estas adotam a Pedagogia da Alternância como sua metodologia pedagógica. Portanto, o funcionamento das escolas do campo nas áreas de assentamentos do MST/ES tem como pressuposto metodológico o Tempo Comunidade (TC) e Tempo Escola (TE), são dois tempos educativos que aliam-se potencializando a relação teoria e prática, os estudos da realidade e o colocar-se do sujeito histórico no mundo. Em ambos os Tempos são realizados ensino, pesquisa, práticas pedagógicas diversas.

 

No último período, especialmente a partir de 2015 as Escolas de Assentamentos tem vivenciado fortes investidas do Governo estadual contra seu projeto de educação, atropelando os fundamentos científicos e marcos legais que amparam a Pedagogia da Alternância. 

 

Os movimentos sociais de luta do campo capixaba tem realizado diversas tentativas de diálogo com o governo, porém é um diálogo que não avança visto que são diálogos feitos com representantes do Governo sem poder de decisão. Em resistência e enfrentamento às estratégias do Governo, nós movimentos sociais temos feito manifestações, ocupações, propondo audiências públicas, buscando o diálogo com esse Governo do estado e reivindicando o reconhecimento e respeito à educação do campo e suas especificidades. 

 

Entretanto, esse Governo segue com suas ações arbitrárias, desrespeitando e desconsiderando todo o projeto de Educação do Campo que historicamente vem sendo construído nesses 31 anos pelos/as trabalhadores/as do campo. 

 

Ações como:corte no pagamento dos professores da segunda etapa do Ensino Fundamental das escolas de Assentamentos, não reconhecimento do Tempo Comunidade na organização curricular das escolas de Assentamento, redução de cerca de 50% no número de coordenadores que atuavam nas escolas de assentamentos, não contratação de ASE, escolas que possuem menos de 30 educandos não atendidas por nenhum profissional de apoio (merendeira, servente, auxiliar de secretaria escolar),fechamento de escolas do campo, junção de turmas do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental, fechamento de turmas, superlotação da sala de aula com prejuízos ao ensino e a aprendizagem, terceirização da alimentação escolar, precarização da infraestrutura, destituiu o conselho escolar das escolas do campo, fazendo com que estas estejam atreladas aos conselhos de escolas urbanas, tratamento da educação pública como mercadoria com claro empresariamento da educação que nos leva a consequências negativas, como por exemplo, no protagonismo dos professores na sala de aula, nas escolas e na condução da escola pública, entre outras.

 

Assim, denunciamos a forma que o Governo do estado vem agindo para acabar com a prática da Pedagogia da Alternância nas Escolas de Assentamentos. Repudiamos as ações do Governo que procura de forma perversa negar o direito conquistado pelas Escolas de Assentamento e o funcionamento da Pedagogia da Alternância nas escolas do campo em geral. 

 

Exigimos que o Governo do Estado do Espírito Santo reconheça e respeite a educação dos povos do campo, em especial a Pedagogia da Alternância. Exigimos que os gestores do Estado cumpram a lei e respeitem todos os marcos regulatórios que reconhecem a diversidade do campo, os Projetos Políticos Pedagógicos específicos destas intuições de ensino, bem como reconheçam o trabalho desenvolvido pelos educadores e educadoras do campo no Espírito Santo. 

 

Exigimos respeito à Educação do Campo e desta forma, aos povos do campo,com garantia de uma educação do campo pública e de qualidade.
 
Nenhum direito a menos!
Movimento Sem Terra! Por escola, terra e dignidade!
 

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