Sindicato realiza demonstração de pesca assistida em Camburi e aguarda adequação do decreto municipal
“Em 26 anos de pesca, nunca morreu tartaruga na minha rede nem de qualquer pescador que pesca dessa forma”. A afirmação é do pescador artesanal Wagner de Souza, o Pigmeu, e resume a mensagem que o Sindicato dos Pescadores e Marisqueiros do Espírito Santo (Sindpesmes) procurou passar durante a demonstração da técnica da “pesca assistida” realizada na manhã desta segunda-feira (11) na baía de Camburi, em Vitória.
A apresentação foi feita na altura do segundo píer de Camburi, próximo à esquina da Dante Michelini com a Adalberto Simão Nader, a cerca de 500 metros da linha da praia. Foram utilizadas a técnica do cerco, para cardumes de tainha, e a do “bate-bate”, mais usada para corvina, carapeba e também tainha.
A atividade teve autorização da Prefeitura de Vitória e foi acompanhada por pesquisadores, como os membros do Projeto Redes de Cidadania e do Grupo de Estudos e Pesquisas em Populações Pesqueiras e Desenvolvimento (Geppedes), ambos da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), e atendeu a uma promessa feita pela entidade, de que conseguiria provar que a pesca assistida não é uma ameaça às tartarugas marinhas nem outras espécies ameaçadas que habitam as baías de Vitória e do Espírito Santo.
“Essa demonstração comprovou isso. Nenhuma tartaruga ficou presa na rede, porque a gente não foi em lugares onde elas costumam se alimentar ou passar, que são as beiras de pedra, as ilhas do Frade, do Boi, do Socó, os píeres…nesses locais elas costumam ficar, mas nas partes abertas, não. E se por acaso alguma ficar presa na rede, consegue soltar viva, porque a gente está ali do lado. Hoje, todos os peixes capturados foram soltos vivos”.
Pigmeu conta que acompanhou os estudos sobre a pesca assistida realizados durante três anos sob coordenação do Comitê Estadual de Gestão Compartilhada para o Desenvolvimento da Pesca (Compesca) e que a regulamentação dessa modalidade é uma demanda antiga dos pescadores artesanais de rede que atuam na Capital.
“Além de ser preferência nossa, ela é a modalidade que causa menos impacto ambiental, quase nulo. Qualquer espécie que a gente capturar que não seja nosso alvo, que esteja no defeso ou proibição permanente, consegue descartar vivo, tal como tartaruga”, reforça. Já a rede de espera, compara, não se enquadra na pesca assistida e deve sim ser proibida nas baías da cidade.
A demonstração desta segunda se insere em um esforço iniciado há três meses por um amplo conjunto de pescadores para terem de volta o direito de trabalhar, acabando com o processo de criminalização da profissão, iniciado em 2017, com a promulgação da Lei nº 9077 pelo ex-prefeito Luciano Rezende (Cidadania) e implementado com rigor a partir do dia 6 de junho deste ano pelo atual, Lorenzo Pazolini (Republicanos), por meio de uma operação conjunta de fiscalização envolvendo outras cinco equipes de fiscais, de entidades federais.
Decorrente da intensa mobilização dos pescadores, que realizaram protestos, reuniões e conquistaram uma audiência púbica histórica na Câmara de Vereadores, projetos de lei foram propostos por três vereadores para anular ou modificar a lei. O mais completo foi o de Karla Coser (PT), que propõe a criação de ferramentas como Gerência, Fundo e Política municipais de pesca, mas devido à polarização política no parlamento, o projeto votado foi apenas o proposto pelo prefeito, considerado muito simplistas pelos próprios pescadores. O decreto de regulamentação da lei, é igualmente simplório, não refletindo as discussões e proposições do Compesca e trazendo ainda uma falsa dicotomia entre pesca e proteção ambiental, já que sequer foi discutida dentro do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente (Comdema).
O próximo passo no esforço de adequação da legislação acontece na reunião do Compesca agendada para esta sexta-feira (15), onde a gestão pesqueira e ambiental serão discutidas, tendo a pesca assistida como um dos principais pontos de pauta. A expectativa é que o decreto municipal da pesca assistida seja adequado o quanto antes, para permitir o retorno dos trabalhadores do mar à ativa, com segurança jurídica e garantia de sustentabilidade ambiental e econômica. A demanda, conta Pigmeu, já foi assumida pelo gestor da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semmam), secretário Tarcísio Foeger.
“O Tarcisio fez o compromisso com a gente de mudar os parâmetros do decreto em um consenso com ambientalistas e a sociedade, porque está tudo errado no decreto. Criaram regras que não estão corretas. Tamanho da rede, número de rede por pescador, tamanho da malha, altura da rede e que só pode ser usada na superfície. Não tem nenhum parâmetro que atende a gente para a pesca assistida”, elenca, repetindo as críticas feitas pelo também pescador artesanal Valquírio Sampaio Loureiro, que participou ativamente dos estudos do Compesca, representando a categoria.
Os grupos de Valquírio, Pigmeu e outros interessados prometem participar da reunião do Compesca e continuar demandando ao poder público que faça justiça à pesca artesanal, profissão tradicional na cidade e elemento fundamental da identidade capixaba. “Vamos participar. Não recebemos convite para a mesa da reunião, mas vamos como público. Esperamos ter oportunidade de fazer perguntas, propor pontos de discussão. Isso já é um grande avanço. Porque o pescador nunca foi ouvido, agora que foi aberto esse diálogo, esperamos chegar a um decreto que atenda à nossa realidade, de trabalho e de proteção do meio ambiente”.
O secretário-executivo do Compesca, analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) Nilamon de Oliveira Leite Junior, explica que as reuniões do Compesca não fazem uma mesa convencional, fechada para representantes convidados, e funcionam na forma de microfone aberto para todos os interessados em se manifestar. “As reuniões do Compesca são abertas ao público e os pescadores são muito bem-vindos na sexta-feira, todos poderão participar e terão direito de fala”.