Quatrocentos milhões de reais em honorários de advogados – essa é a estimativa do gasto feito pela Fundação Renova para fechar 12 mil indenizações de atingidos pelo sistema Novel. O valor é maior do que o orçamento de todas as Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) ainda não contratadas para subsidiar a participação dos atingidos no processo de reparação e compensação dos danos advindos do rompimento da Barragem de Fundão, da Samarco/Vale-BHP, ocorrido em Mariana/MG, em cinco de novembro de 2015.
A contradição foi apresentada pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) durante a primeira da série de três audiências públicas promovidas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e o Observatório Nacional sobre Questões Ambientais, Econômicas e Sociais de Alta Complexidade e Grande Impacto e Repercussão, realizada nesta sexta-feira (10). As audiências integram o processo de repactuação da governança, lançado em junho pelo CNJ, com objetivo de prover mais agilidade e equidade.
“Ontem [quinta-feira-9], o juiz da 12ª Vara [Mário de Paula Franco Junior, juiz substituto da 12ª Vara Federal de Belo Horizonte, responsável pelos processos judiciais relativos ao caso], as vésperas dessa audiência, soltou mais doze mil indenizações. Um valor substancial, mas vejam bem: apenas os advogados levaram 400 milhões de reais com esse acordo, que é um procedimento administrativo no site da Renova. Não somos contra advogados, é o direito dos atingidos ter um advogado, mas vejam bem: esse valor garantiria assessoria técnica para todos os territórios por até quatro anos!”, expôs Thiago Alves, da coordenação nacional do MAB, durante sua fala na audiência.
O militante ressaltou que, enquanto no outro crime socioambiental com rompimento de Barragem da Vale, o de Brumadinho, ocorrido em janeiro de 2019, as assessorias técnicas foram contratadas imediatamente, garantindo uma participação mais qualificada dos atingidos no processo de reparação, no Rio Doce, as empresas criminosas, por meio da Fundação Renova, se negam a garantir a equidade de direitos dos atingidos, mesmo sendo essa contratação um dos compromissos estabelecidos no Termo de Ajustamento de Conduta da Governança (TAC-Gov).
“Qual a justificativa para isso? Advogados receberem esse montante para um procedimento administrativo e não haver ATIs nos territórios? O problema é financeiro ou político contra o instrumento da assessoria técnica independente?”, questionou.
“Existe um acordo de 2017 assinado por todas as partes garantindo esse direito, todos participamos de vários momentos e reuniões sobre isso, e até hoje a 12ª Vara não decidiu sobre esse direito. Esperamos que a igualdade de condições seja provida pelo CNJ”, pediu o militante, ressaltando que outras propostas do MAB e entidades parceiras, integrantes do Observatório do Rio Doce, serão entregues ao Conselho.
Também inscrito para falar pelos atingidos durante a audiência, João Paulo Lyrio Izoton, da coordenação estadual do MAB/ES, destaca que a audiência foi marcada por muitas críticas à condução dos processos pelo juízo da 12ª Vara, à excessiva complexidade e fragmentação da governança e à ineficiência da Renova.
A não contratação das assessorias técnicas foi muito salientada, conta, bem como a execução insatisfatória dos programas previstos nos acordos, e o descumprimento sistemático das Deliberações do Comitê Interfederativo (CIF), instância criada em 2016 para fiscalizar a realização das ações de reparação e compensação dos danos.
A saúde, ressalta o militante, foi um assunto evidenciado pelos atingidos, que reclamam a ausência de ações da Renova, apesar de diversos estudos científicos comprovarem os danos, vindos de universidades, como a federal capixaba Ufes, e das experts contratadas pelo Ministério Público Federal (MPF).
O sistema de indenizações, baseado na plataforma Novel, hospedada no site da Fundação Renova, também foi alvo reclamações, não no sentido de suspendê-lo, explica João Paulo, mas de aperfeiçoar esse sistema, com uma matriz de danos mais transparente e o fim da quitação geral de danos, que hoje é exigida de quem opta por receber indenizações pela plataforma.
Essa primeira audiência, salientou, trouxe uma síntese de apontamentos que já vêm sendo feitos pelas instituições e organizações que atuam na defesa dos direitos dos atingidos, incluindo os órgãos de Justiça como os ministérios e defensorias pública. E evidenciou “o cansaço dos atingidos”, que, após quase seis anos do crime, entram agora em um novo começo do processo de reparação.
Manifestando-se ao final da audiência, os órgãos de justiça reafirmaram as reivindicações dos atingidos e se comprometeram a encaminhar o relatório da audiência para a mesa de repactuação.
As próximas audiências organizadas pelo CNJ estão agendadas para seis de outubro e primeiro de dezembro.