Renegociação de valores do CDA em São Mateus mostra redução drástica do recurso aplicado em comercialização
Em 2013, a verba do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), do governo federal, destinada para apenas uma entidade de agricultura familiar de São Mateus, no norte do Estado, foi de R$ 1 milhão. Neste ano de 2021, o orçamento para todo o município foi de R$ 95 mil e, no programa de Compra Direta de Alimentos (CDA), do governo do Estado, está em torno de R$ 250 mil.
As três cifras indicam o quanto os recursos destinados a programas de comercialização para o trabalhador rural capixaba estão defasados, em plena pandemia, e com o Brasil tendo retornado para o mapa mundial da fome.
A avaliação foi um dos pontos tratados durante a reunião realizada nessa segunda-feira (23) pela Secretaria de Assistência Social de São Mateus com organizações da agricultura familiar do município, além do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), com objetivo de apresentar os novos valores da tabela de preços dos alimentos a serem adquiridos junto à agricultura familiar por meio do edital 3/2021 do CDA.
A revisão dos preços foi reivindicada pelo sindicato rural e associações de agricultura familiar agroecológica, surpreendidas com preços muito abaixo do valor de mercado, contrastando fortemente com o edital do município vizinho de Conceição da Barra.
O resultado final foi uma ligeira melhora dos preços, ainda abaixo do que foi reivindicado pelos agricultores, mas o suficiente para animar as famílias a aderirem ao programa. E, talvez ainda mais importante, o estabelecimento de um compromisso de que, em 2022, os preços estarão mais adequados à realidade da agricultura familiar, a partir de um levantamento praticado nas feiras livres da cidade.
“A reunião não foi tão lucrativa, porque não aumentou muito os preços, mas melhorou um pouquinho, me animei e vou fazer o CDA este ano”, declarou a agricultura agroecológica Alba Batista Nascimento, presidente da Associação de Agricultores Quilombolas Dilôr Barbosa e integrante da Coordenação Estadual Zacimba Gaba e do Fórum Quilombola das Comunidades de São Mateus. “Mas combinamos de fazer novas reuniões para preparar o edital de 2022. Eles prometeram visitar as feiras de São Mateus”, complementa.
“Vamos solicitar à Secretaria de Agricultura que faça um levantamento mensal e mantenha esse registro vivo para a gente saber no próximo ano como foi a cotação dos doze meses e tentar usar como base de cálculo do edital de 2022”, explica a secretária municipal de Ação Social, Marinalva Broedel Machado de Almeida.
Para este ano, explicou, o Incaper conseguiu apenas atualizar o levantamento de preços com as mesmas fontes: Central de Abastecimento do Espírito Santo (Ceasa), Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), PAA e supermercado local. Inicialmente lançado com preços de março de 2021, a retificação do edital tomou preços mais recentes, conseguindo uma ligeira elevação.
“Mesmo com a nova avaliação, os preços não equipararam com Conceição da Barra, ficaram ainda discrepantes. Mas a forma de avaliação de Conceição da Barra a gente ainda não compreendeu”, reconheceu Marinalva, ressaltando que a regra geral do edital é definida pelo governo do Estado, por meio da Secretaria Estadual do Trabalho, Assistência e Desenvolvimento Social (Setades).
O camponês Valmir Noventa, membro da coordenação estadual do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), também faz uma avaliação positiva do encontro, mais do ponto de vista político a médio prazo do que econômico imediato. “Abriu canal de diálogo e as organizações conseguiram expor o seu problema, que não é só preço. É toda uma questão de ausência de política para o campo”, explica.
A comparação de números feitas no início da matéria é do MPA. Naquele ano, final do primeiro mandato de Dilma Roussef (PT), somente a Associação dos Pequenos Agricultores da Região do Litoral (Aparli), ligada ao MPA, recebeu o montante de R$ 1,05 milhão do PAA, para atender a quatro associações de bairros de São Mateus.
“Em 2013, o Brasil estava saindo do mapa da fome”, contextualiza. Agora, a fome se soma a todas as crises intensificadas pela pandemia de Covid-19, incluindo a maior dificuldade de comercialização dos produtos da agricultura familiar.
“Todas as avaliações de políticas públicas do governo federal são negativas. Ele acabou com as políticas para o campo. Não tem reforma agrária, não tem habitação, o crédito é muito minguado e burocrático, e a política de comercialização, operacionalizada pela Conab, também é muito precária. O PAA é uma política muito interessante, mas não tem recursos”, expõe.
No âmbito estadual, apesar do valor mais expressivo – cerca de R$ 250 mil – o investimento é ainda muito tacanho. “Na questão da fome e dos camponeses, o governo Casagrande poderia ter feito mais. As políticas são muito tímidas”, avalia.