“Nossos resultados atuais provam que 100% do pó preto se dissocia em nanopartículas. Isso já seria suficiente para mudar a legislação atual”. O alerta é da bióloga Dra. Iara Costa Souza, pós-doutoranda na Universidade de São Carlos (UFSCar) e que integra uma ampla equipe de professores oriundos das universidades e fundações de financiamento capixabas, paulistas, argentinas e britânica.
O objetivo é dar suporte científico para que a sociedade e a academia possam cobrar dos órgãos ambientais maior controle da poluição atmosférica, elevando a qualidade de vida da população capixaba e de outras cidades sobre as quais são lançados materiais particulados atmosféricos, especialmente oriundos da mineração e siderurgia.
Entre as instituições envolvidas estão as universidades Federal do Espírito Santo (Ufes), de Hull/Reino Unido e de Córdoba/Argentina e de Western Australia. O financiamento vem do projeto de emenda parlamentar MAX 600, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Fundação de Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes/CNPq), Agência Nacional de Promoción Científica e Técnica, Secretaria de Ciencia y Tecnología Universidad Nacional de Córdoba e da Fundação de Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes).
“Por que o governo de São Paulo e as instituições de todos esses lugares estão apoiando? Porque temos Vitória como cidade modelo desse estudo, que tem importância mundial”, contextualiza. “Todo o Brasil sofre influência da indústria siderúrgica”, afirma, informando ainda que o minério de ferro do quadrilátero ferrífero mineiro, o mesmo que vem para o complexo portuário e industrial de Tubarão, onde estão a Vale e a ArcelorMittal, tem sua “marcação isotópica” encontrada em toda a América do Sul.
“Hoje o órgão ambiental [Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos – Iema] fala que não pode pedir a redução de emissões de algo que só incomoda, não tem efeito biológicos. Ao final do estudo, queremos ter dados comprobatórios suficientes para o órgão ambiental tomar decisão em relação a medidas mitigadoras”, revela.
Depois de cinco anos de investigação sobre a composição, estabilidade, tamanho e dispersão de Material Particulado Sedimentável Atmosférico (MPSeA), o popular pó preto, Iara e seus colegas verificaram que o famoso poluente negro e brilhante que caracteriza o ar da região metropolitana da Grande Vitória, é grande apenas em um período de seu ciclo.
“A microscopia eletrônica de varredura (SEM) mostrou que as frações de MPSeA são formadas por aglomerações de nanopartículas”, expõe Iara. E esses aglomerados, explica, voltam ao tamanho nano ao se dissociarem no contato com ambientes aquáticos (rios, mares e estuários), com a umidade do ar (os aerossóis marinhos, especialmente) e com as mucosas do corpo humano e de outros seres vivos, sendo então absorvidos por elas, entrando na corrente sanguínea e atingindo praticamente todos os órgãos.
Técnicas são simples
“A maioria tem 100 nanômetros (nm), mas a gente tem encontrado até 10 nm. Quanto menor, mais problemas causa no núcleo das células”, salienta, lembrando que as partículas menores que 60 μm são transportadas como uma suspensão atmosférica e responsáveis pelo transporte de longo alcance em escalas regionais, continentais e globais.
Para encontrar o tamanho das partículas ao entrarem em contato com água ou ambiente úmido, são feitas duas análises simples, descreve. A SEM mostra o tamanho original da partícula. E uma outra coloca a água com o pó preto em um equipamento e então mede o tamanho após a dissociação. “Em um dia é possível concluir as duas etapas e ver que o material todo se dissocia em nano”, conta.
As menores partículas hoje legisladas no Brasil e no Espírito Santo possuem 2,5 mil nm, as chamadas PM2,5. Para elas são estabelecidos os limites mais rigorosos de emissão, por estarem comprovadas seus efeitos altamente carcinogênicos, além de provocarem doenças respiratórias e alergias.
O Espírito Santo tem uma normativa para o PM2,5, mas ele não é medido em todas as estações de monitoramento nem com a regularidade necessária. Já o material particulado total, o que se vê a olho nu, tem um limite de emissão muito maior que o PM10 (equivalente a 10 mil nm). “Teria que baixar para mais próximo do PM10”, pondera a Dra. Iara, ressaltando ainda que os elementos levantados até o momento sugerem a necessidade por exemplo, de estudar se a Grande Vitória tem maior incidência de câncer ou se na capital capixaba ele é mais agressivo.
Mortalidade de células
A parte humana do trabalho é tocada em paralelo pela professora Dra. Mariana Morozesk, da Ufes, que já observou o aumento da mortalidade de células à medida que são expostas a nanopartículas metálicas. Já em seus estudos com espécies da biota aquática capixaba – peixes, crustáceos e plantas de água doce, mar e manguezal – e com células de pulmões humanos, Iara verificou que as nanopartículas de pó preto são internalizadas nesses organismos.
“A tilápia, na presença do pó preto, trabalha mais pra respirar, o coração bate mais forte e as brânquias são mais ventiladas”, exemplifica. Com a nanocristalografia, uma das técnicas ambientais forenses utilizadas, foi possível encontrar partículas metálicas dentro dos órgãos do robalo.
Dos 39 metais analisados, Iara destaca o ferro, titânio, cério, bismuto, alumínio e silício. Os dois últimos, explica, estão presentes em qualquer ambiente urbano, devido atividades usuais, como construção civil. Já o titânio, o cério e bismuto são chamados metais emergentes. Comumente usados em novas ligas de metal para a crescente demanda em eletrônicos, ligas leves e aço anticorrosivo, esses metais emergentes não são avaliados em programas de monitoramento ambiental, por falta de limites regulatórios.
‘Queda de braço’
“É uma queda de braço: a gente mostra os efeitos e a indústria fala que não tem como verificar, que é muito caro”, expõe. A verdade, enfatiza a cientista, é que é fundamental regulamentar o monitoramento e a avaliação do material particulado atmosférico como um todo, considerando também o impacto negativo nos ecossistemas aquáticos. “A maioria das regulamentações ambientais permanece obscura sobre essas questões, que causam efeitos deletérios a diversos organismos, populações e comunidades”, afirma.