Ela saiu de São Mateus, norte do Estado, há quatro anos rumo ao acampamento Paulo Damião, em Linhares, onde ficou até aquele memorável dia de julho, quando houve a ocupação que formou o Acampamento João Gomes, onde ela hoje vive com outras 36 famílias vindas também de Aracruz, Serra e distritos de Linhares. Os dois assentamentos não são distantes e estão na região de Palhal, em áreas que foram concedidas à Petrobras mas devolvidas ao governo do Estado após desistir do empreendimento pretendido.
De posse estadual, o caso joga luzes a uma questão: os primeiros assentamentos criados no Espírito Santo a partir do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) nos anos de 1980 foram de iniciativa do governo do Estado. Depois, vieram os assentamentos realizados a partir do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra), órgão federal. Com as dificuldades de um governo nacional totalmente alinhado com o agronegócio e abertamente contra os camponeses e povos tradicionais, o movimento cobra uma postura mais ativa do governo do Espírito Santo para resolver a situação das famílias que lutam por um direito tão básico como o acesso a uma terra para viver e plantar.
Atualmente, existe uma mesa de resolução de conflitos criada pelo governo do Estado, na qual estão sendo discutidas estas e outras áreas de acampamentos do MST, muitos deles que foram por décadas ocupados pelo monocultivo de eucalipto e onde hoje se produzem alimentos.
A luta no Palhal é longa: João Gomes, homenageado com o nome do acampamento coordenado por Ana Lúcia, foi um dos grandes lutadores para concretizar o sonho de dar uso àquela terra, que o movimento já tinha ocupado e sido despejado outras vezes anteriormente. “O momento mais difícil já passou, que é quando a gente chegou, tendo que montar os barracos. Foi difícil mas fomos nos ajeitando, nos ajudando, cavando poços. Uma das dificuldades que ainda temos é quando alguém precisa ir no médico. Para a escola, quando tinha aula, o ônibus pega aqui e leva as crianças”, relata.
Hoje a coordenadora enxerga a situação como mais tranquila, pois desde a última entrada, em 2019, não houve nova ameaça de despejo. As famílias seguem morando embaixo da lona ou com casas simples feitas com restos de madeira e telhas de Eternit. A mais numerosa é formada por um casal com oito filhos.
A produção tem diversas hortaliças, milho, feijão, banana, aipim, pimenta-do-reino, quiabo, entre outros produtos alimentícios, além das criações de galinhas e porcos. A venda em feiras ainda é dificultada pela limitação de transporte, já que as famílias que possuem veículo próprio são justamente aquelas que trabalham fora do acampamento. “Mas estamos nos organizando para tirar um dia e ver qual companheiro pode colocar um reboque para tentar levar os alimentos para a feira”, conta Ana Lúcia.
Apesar das dificuldades, a coordenadora do acampamento não tem dúvidas de que sua qualidade de vida e de seus filhos melhorou desde que passaram a viver por lá. Constantemente, chegam pessoas querendo um pedaço de terra para viver. Mas ela lamenta não poder atendê-las, pois o acampamento João Gomes já está no limite de capacidade e com uma fila de espera de 12 pessoas para caso algum acampado desista de seguir lá, o que não tem acontecido depois do momento inicial de consolidação. As constantes crises econômicas e sociais mostram como a reforma agrária não é apenas um sonho que ficou para trás, mas uma necessidade ainda real.
Os acampados do João sonham com a posse definitiva das terras e a transformação do local em assentamento. Alguns querem plantar café, cacau, outros expandir o cultivo de pimenta-do-reino. Ana Lúcia diz que os filhos querem plantar aroeira no local. Ela também sonha, mas pretende seguir a luta, assim como fez João Gomes. “Meu sonho é ajudar outras famílias, não quero ficar parada como pé de coco aqui dentro. Há muitas famílias boas perdidas nas ruas. Quero ajudar a trazer para a roça, para os acampamentos, e mostrar que a vida aqui não é ruim, dá para sobreviver. No começo é difícil, mas depois a gente vive bem”.