Os crimes socioambientais cometidos pela Vale nos últimos anos sobre os rios Doce e Paraopebas agravaram as enchentes que assolam o Espírito Santo e Minas Gerais. A afirmação é do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), em nota divulgada nesta quarta-feira (29).
“Enchentes não são desastres naturais, mas sim o resultado histórico da falta de planejamento urbano, ausência de políticas públicas para garantir moradia digna e da especulação imobiliária que empurram os pobres para as periferias e regiões sem condições de habitação segura”, afirma o MAB, fazendo coro com os posicionamentos feitos por diversos ambientalistas nesses dias de drama e comoção pública. Somando-se a esse descaso histórico, as toneladas de rejeitos de minérios de ferro que jorraram das barragens da maior mineradora do mundo tornaram o cenário ainda mais trágico.
Em 2015, recorda a organização, foram mais de 60 milhões de metros cúbicos de lama da barragem de Fundão, em Mariana (MG), depositados no leito e nas margens do Rio Doce, ao longo dos mais 600 km de cursos d’água.
Somente na Hidrelétrica Risoleta Neves, pontua o Movimento, cerca de 10 milhões de metros cúbicos ficaram retidos na barragem, que foi esvaziada para conter o material. “É este rejeito acumulado que está provocando as cheias históricas de Governador Valadares, Colatina e Linhares, por exemplo. Além da Risoleta Neves, a Hidrelétrica de Aimorés também está aumentando o volume do assoreamento ao abrir as comportas e despejar mais rejeitos no Rio Doce”, informa o MAB, enunciando também números que afetam o rio Paraopeba e da tragédia de Brumadinho, que completou um ano no último dia 25 de janeiro.
“O Movimento dos Atingidos por Barragens denuncia este dano, de grandes proporções, provocado pela Vale, e chama atenção da sociedade para a renovação de um crime que pode levar mais contaminação para milhares de pessoas”, afirma.
O MAB lembra ainda dos estudos técnicos que atestam a contaminação das águas do Rio Doce e do Paraopebas com metais pesados que vieram com a disseminação dos rejeitos, como o relatório da Lactec, expert contratada pelo Ministério Público Federal (MPF) na área ambiental no Rio Doce, que identificou a presença, ainda hoje, de metais como ferro e manganês em excesso, além de arsênio e outros metais pesados. Contaminantes que, quando o fundo do rio é revolvido, são novamente lançados nos cursos d’água.
“Além disso, estudos de pesquisadores da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) identificaram adenovírus presentes onde ocorre a mistura de esgotos domésticos e metais pesados. Estes estudos apontam o risco à saúde de milhares de atingidos e atingidas pelos crimes da Vale que agora sofrem com as enchentes formadas com água contaminadas”, alerta a organização.
“Reivindicamos que as instituições de justiça atuem para que a Vale assuma suas responsabilidades diante dos atingidos, garantindo ações emergenciais como o acesso à água de qualidade e moradia provisória”, exige o Movimento.
“A mineradora também precisa garantir ações de longo prazo fortalecendo o Sistema Único de Saúde (SUS) para enfrentar os impactos dos desastres e efetivando direitos já garantidos em acordos judiciais: como as assessorias técnicas independentes que são instrumentos fundamentais para medir os danos causados, monitorar os desdobramentos e propor junto às comunidades ações de reparação integral”, acentua.
Essas solicitações serão entregues formalmente à Defensoria Pública Estadual do Espírito Santo (DPES) e outros órgãos de Justiça que atuam na defesa dos direitos dos atingidos pelos crimes da Vale na próxima segunda-feira (3), anuncia Tchenna Maso, do MAB/ES.
“Essas chuvas, principalmente no Espírito Santo, em Colatina, levam de volta esses metais pesados, atingindo zonas que não tinham sido afetadas. A gente cobra que seja reconhecida a relação dessas enchentes com a contaminação. Todas as pessoas que estão tendo contato com essa água estão tendo contato com os metais pesados”, diz a militante.
No Rio Doce, lembra, foram abertas as comportas da barragem de Candonga, onde estava concentrada a maior parte dos metais, jogando uma nova leva de rejeitos em todo o Rio Doce. “O MPF tem ciência desses estudos, mas precisam ser tomadas medidas de alerta. Ao tratar os atingidos pelas chuvas, tem que tratar a partir da contaminação por metais pesados”, assevera.
Desastres sociais
Em sua coluna Ecopolitica, na rádio CBN, o jornalista e ambientalista Sergio Abranches afirmou, nesta quarta-feira (29), que as enchentes deste ano no Espírito Santo e Minas Gerais são desastres sociais e não naturais, frutos da falta de prevenção e políticas urbanas de habitação e conservação ambiental no meio urbano, que afetam uma população mal distribuída no espaço urbano e que está despossuída de condições de se defender.
“O rio encontra muitos obstáculos construídos, muitos prédios que estão ao longo do seu caminho, de seu leito ampliado. O rio tem um leito normal no qual ele corre quando não há seca violenta nem chuvas muito fores nas cabeceiras, e tem o leito expandido, quando chove mais nas cabeceiras e tem que acomodar maior volume de águas. Nessa área de expansão maior do leito normal, tira-se as matas e se constrói. A água encontra obstáculos e aumenta a velocidade, destruindo tudo abaixo. “É uma história que vai se repetir. Essas chuvas mais intensas vão aumentar e do jeito que a gente não toma nenhuma providência, vai continuar tendo tragédias sociais cada vez maiores”.
Crítica semelhante faz o geógrafo Alessandro Chakal em seu blog Cidadania-Geográfica. No post Enchentes recorrentes no Espírito Santo – Este ano já teve? Ano que vem vai ter de novo, ele explica que a água é um recurso natural limitado e limitante, citando ensinamentos do saudoso geográfico francês e professor doutor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Jean-Louis Boudou.
É limitado porque a quantidade de água no planeta se mantém a mesma desde a formação da Terra. “O pouco que o planeta perde no atrito com o espaço (nos movimentos de rotação e translação), é compensado pelo pouco que a atmosfera recebe por erupções vulcânicas, oriunda das camadas internas da crosta terrestre”, diz.
O consumo, por outro lado, tem aumentado com o crescimento da população e do consumismo. Um consumo que pressiona o pequeno percentual de água doce disponível: “Apenas 3% da água no mundo é doce, sendo o resto salgada. E destes meros 3%, boa parte se encontra indisponível nos lençóis freáticos (subterrâneos), congelada nas geleiras, e cada vez mais poluídas pela ação humana irresponsável”.
A água também é um recurso limitante, pois condiciona, seja pela escassez ou excesso em um território, onde o ser humano pode ocupar e onde não. “Desde os tempos dos Faraós no Egito Antigo estes governantes já utilizavam sua ciência para entender e prever as grandes cheias anuais do Rio Nilo, que destruíam as comunidades estabelecidas às suas margens (na própria calha e áreas de várzeas do rio)”, cita Chakal.
Se aproveitavam da ignorância geográfica das populações para fazer um imbróglio entre religião, superstição e mecanismos da natureza, para enganar e controlar as massas – divulgando crenças de que o atual caos “natural” e as calamidades públicas eram obra divina em resposta aos pecados de um povo descrente, que não seguia as ordens de seus governantes ungidos pela graça de Deus.
“Se você quer a água em seu devido lugar, e em quantidade correta, nem escassa nem em excesso, para a ocupação humana, a regra é muito simples: Plante e Proteja Florestas Nativas” – ma$ todo mundo finge que não $abe di$$o”, denuncia e ironiza o geógrafo. “Aos que dizem que ambientalistas são contra o desenvolvimento, pergunto agora: Já está bom de DES–ENVOLVIMENTO para vocês???”, polemiza.