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Entidades cobram providências em relação à grave situação do Rio Doce

Oito entidades dos distritos de Regência e Povoação, em Linhares, norte do Estado, cobram providências do poder público e das empresas Aracruz Celulose (Fibria) e Petrobras em relação ao processo de salinização da água e do abandono das comunidades, que se encontram em “estado de necessidade”, como apontam em carta aberta. Embora explorem a região há décadas, respondendo por impactos sociais e ambientais, as empresas não destinam qualquer contrapartida às áreas impactadas. 
 
Cansadas de alertar sobre a situação dos moradores dos distritos em reuniões, ofícios e solicitações, as entidades prometem agora não cessar as mobilizações, até que seja realizada uma reunião com o governo do Estado, prefeitura de Linhares e empresas, para assinatura de um termo de intenções que atenda às reivindicações das comunidades. Além disso, pretendem acionar o Ministério Público Federal (MPF-ES).
 
Em carta aberta encaminhada aos órgãos, às empresas e à Agência Nacional das Águas (ANA), as entidades consideram inadmissível que a Aracruz Celulose, em período de extrema crise hídrica, tenha um canal para retirar a água do Rio Doce e, assim, garantir o abastecimento indiscriminado da sua fábrica no município de Aracruz. Com o agravante de não garantir qualquer melhoria para as famílias, que perderam sua fonte de subsistência. 
 
O manancial está seco e quase não atende sequer as necessidades básicas humanas de utilização da água. Também não consegue mais alcançar o mar, o que faz com que o mar avance para o rio, causando a salinização e o comprometimento do ecossistema. Os pescadores, que antes encontravam fartura de espécies no rio, estão impedidos de realizar suas atividades e  passam por dificuldades. 

 
No documento, as entidades cobram o contingenciamento do uso da água, priorizando o consumo humano, e a reabertura e manutenção do canal da boca da barra sul da foz do Rio Doce. Com esta medida, acreditam que será possível garantir o equilíbrio ecológico do ecossistema e o restabelecimento do trabalho dos pescadores. Também exigem a melhoria no fornecimento de água potável e a conclusão das obras do esgotamento sanitário, com o objetivo de reduzir impactos no lençol freático. 
 
O documento denuncia ainda o estado de abandono das comunidades ribeirinhas da foz do Rio Doce, que estão até hoje “desassistida pelos entes do Estado e empresas que sempre exploraram a região e só deixaram um grande passivo socioambiental”. Essas comunidades, afirmam as entidades, “sempre estiveram à margem do desenvolvimento econômico do município e do Estado, apesar da sua importância história nesse ‘desenvolvimento’, desde o início da navegação do Rio Doce”.
 
A carta afirma ainda que os moradores de Regência e Povoação sofrem com a dificuldade de mobilidade urbana, o que impede o acesso aos recursos médico-hospitalares, educacionais e de empregabilidade, e não há conservação das estradas, nem pavimentação. “Apesar de o turismo sustentável ser uma viável oportunidade de geração de renda, nunca foi apoiado e fomentado pelo poder público e empresas, que ignoram esse potencial”, completa o documento. 
 
Assim, reivindicam a pavimentação asfáltica nas rodovias BR ES 010 e 440 em Regência, e a 248 em Povoação; implantação de projeto de sinalização turística, apoio e fomento ao desenvolvimento do turismo sustentável e integrado; a reforma do Centro de Educação Infantil e da escola EEFM Vila Regência, com a implantação de cursos técnicos; e construção de um posto policial em Regência, com efetivo policial. 
 
Assinam a carta aberta a Associação dos Moradores de Regência (Amor), Associação dos Pescadores de Regências (Asper), Associação dos Moradores de Povoação, Associação dos Pescadores e Extrativistas de Povoação, Associação dos Comerciantes de Regência, Associação Folclórica de Povoação, Associação dos Artesãos de Regência e Região e Associação de Surfe de Linhares (ASL).
 
Histórico de omissão
 
Com conivência do poder público municipal e estadual, a Aracruz Celulose (Fibria) fez a transposição de bacias do Rio Doce para o Rio Riacho, no município de Aracruz, em 1999, para abastecer sua fábrica C. A medida, autorizada em processo marcado por irregularidades, alterou drasticamente o comportamento hídrico da região. 
 
Com a transposição das bacias, foi construído o Canal Caboclo Bernardo, perpendicularmente ao Rio Doce, ligando-o ao Rio Comboios, o que possibilitou a captação das águas dos canais de drenagem do Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS), construídos nos anos de 1960, o Canal do Riacho, o Rio Riacho e o Rio Comboios. A água captada percorre uma extensão superior a 40 quilômetros, como apontam estudos da Federação dos Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase).
 
Os impactos da transposição atingiram principalmente as aldeias indígenas Tupinikim, localizadas em frente à fábrica da empresa em Aracruz. O Rio Comboios, antes utilizado para agricultura de subsistência, pesca e pastoreiro, ficaram secos e contaminados, transformando-se em um reservatório de doenças. 
 
Outros prejudicados foram os pescadores de Vila do Riacho e Barra do Riacho, já que os impactos do canal agravaram os problemas da redução dos estoques de pescado, existentes na região desde a construção do Portocel, terminal especializado da empresa, que iniciou suas operações em 1978. 
 
O desvio resultou ainda no estreitamento da Boca da Barra, provocado por bancos de areia formados pelo mar, tendo como consequência a diminuição do fluxo de água no Rio Riacho. O assoreamento impede que as embarcações de pesca artesanal cheguem ao mar durante a maré baixa, limitando a atividade. 
 
Na região, também geram impacto aos recursos hídricos os efluentes jogados no mar pela Aracruz Celulose, sem tratamento, e a abertura de estradas de transporte de eucalipto. Quem controla os níveis de água do Rio Riacho é a própria empresa, que abre as comportas de acordo com sua necessidade. 
 
Para as fábricas A e B, a Aracruz Celulose construiu um sistema integrado de reservatórios, transpondo rios a partir de desvios e barragens, que passaram a ser de uso exclusivo dela. 
 
Em 2005, sob o pretexto de aumentar a disponibilidade hídrica nas várzeas do Rio Riacho nos municípios de Aracruz e Linhares e, assim, desassorear o canal Caboclo Bernardo, a empresa conseguiu novo licenciamento ambiental para desviar o Rio Doce, agravando os impactos já existentes. 
 
O consumo diário de água para produção de celulose é de 248 mil metros cúbicos, suficiente para abastecer uma cidade de 2,5 milhões de habitantes, equivalente à população da Grande Vitória. Segundo pesquisadores da Fase, se a água utilizada pela empresa fosse captada, tratada e distribuída pela Companhia Estadual de Saneamento (Cesan), a conta se aproximaria de R$ 16 milhões mensais, sem considerar o consumo de outras unidades e suas expansões no País. 

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