Audiência pública em Conceição da Barra reuniu prefeitos, deputados estaduais e federais, e moradores
Três filas apertadas de cadeiras foram necessárias para acomodar todas as lideranças políticas presentes na audiência pública realizada na noite dessa quinta-feira (2) sobre os “desafios e oportunidades da exploração do sal-gema capixaba”, realizada no Centro de Referência em Assistência Social (Cras) de Braço do Rio, em Conceição da Barra, norte do Estado.
O evento ocorreu às vésperas da realização, pela Agência Nacional de Mineração (ANM), do leilão de 11 blocos que compõem as jazidas da região, em Conceição da Barra e municípios vizinhos. A expectativa é de que o resultado do leilão seja anunciado no próximo dia 20.
A iniciativa foi da Comissão de Infraestrutura da Assembleia Legislativa (Ales) e do Centro de Estudos e Debates Estratégicos da Câmara dos Deputados, sob liderança, respectivamente, do deputado estadual Marcelo Santos (Podemos), presidente do colegiado da Assembleia, vice-presidente da Frente Parlamentar de Apoio à Exploração das Jazidas de Sal-gema e vice-presidente da Assembleia, e do deputado federal Da Vitória (Cidadania), presidente do Centro de Estudos da Câmara Federal.
Cada um dos presentes relatou seus desejos de progresso e redenção econômica, abafando qualquer debate sobre os impactos ambientais intrínsecos à atividade. O silêncio na audiência reflete o silêncio em campo, onde o assunto ainda não entrou na pauta de debates das entidades e órgãos ambientais do Estado, tampouco de sindicatos de trabalhadores.
Apenas Marcelo Santos fez menção ao tema, ao citar a tragédia de Maceió, capital de Alagoas, onde bairros inteiros estão virando áreas fantasmas devido ao afundamento do solo e remoção de pelo menos 55 mil famílias, configurando o maior crime socioambiental em curso do mundo, após 40 anos de exploração de sal-gema pela gigante Braskem. O parlamentar disse, no entanto, que o episódio não ocorrerá no Espírito Santo.
Marcelo Santos ressaltou ainda que o Espírito Santo poderá tirar o Brasil da condição de importador de sal-gema para exportador e que diversos segmentos econômicos poderão ser beneficiados a partir dos investimentos feitos para viabilizar a atividade, como o comércio local, gerando emprego e renda, e reforçando a arrecadação municipal, sendo necessário realizar a capacitação da mão de obra local, com apoio do Ifes e da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Mencionou também a necessidade de considerar o aumento dos gastos públicos para suprir as ofertas de serviços essenciais devido ao crescimento da demanda e impactos ambientais.
O gerente regional da ANM destacou que, mesmo durante a fase de pesquisa geológica, será possível que as empresas possam fazer pedido de extração para testar o mercado e o produto. “Não podemos pensar a mineração apenas do ponto de vista da exploração no local sem a geração de cadeias econômicas mais fortes”, pontuou.
Maceió
O documentário “A Braskem passou por aqui: a catástrofe de Maceió“, de Carlos Pronzat, que estreou no início de agosto, denuncia que cinco bairros da cidade estão condenados pelo afundamento do solo provocado pela mineração de sal-gema pela Braskem há mais de quatro décadas, “atingido quase 70 mil pessoas, 4,5 mil negócios e 30 mil empregos”. São 35 minas a cerca de 1.200 metros de profundidade, que começaram a desmoronar há mais de dez anos, “já tendo formado crateras subterrâneas do tamanho do Complexo Esportivo do Maracanã”.
Em reportagem do dia nove de agosto do Observatório da Mineração, o repórter Maurício Angelo salienta que a Braskem é a maior petroquímica das Américas, controlada pelo grupo baiano Odebrecht (agora “Novonor”) e sua atividade em Alagoas transformou bairros inteiros em áreas fantasmas, com “cenário de guerra”. Ao deixarem suas casas, sublinha, “a única opção dessas famílias foi aceitar um acordo com a Braskem que paga míseros R$ 81 mil para cada uma, insuficiente para adquirir um imóvel em outro lugar e certamente insuficiente para cobrir todos os danos causados”.
As indenizações de 55 mil pessoas, somadas ao valor pago ao estado de Alagoas e à cidade de Maceió, totalizam R$ 10 bilhões, expõe o Observatório, montante equivalente ao lucro da empresa somente no primeiro trimestre de 2021. Com esse valor ínfimo, acrescenta a reportagem, “a Braskem passou a ser dona dos quatro bairros – Pinheiro, Mutange, Bom Parto e Bebedouro. No longo prazo, esta área em região valorizada de Maceió pode significar até R$ 40 bilhões para a petroquímica”. Além do lucro, complementa, “a receita líquida da Braskem no segundo trimestre subiu 136% na comparação anual e 16% em relação ao primeiro trimestre, a R$ 26,4 bilhões”.