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‘Era só um fazendeiro, hoje são 100 famílias produzindo alimento saudável’

Assentamento Sezínio, em Linhares, celebra 15 anos mostrando a importância da reforma agrária popular

Divulgação/MST

“Antes era só um fazendeiro nessa área toda, com meia dúzia de funcionários e um pouco de gado. Hoje somos 100 famílias de assentados produzindo alimentos saudáveis”. A comparação surge do Assentamento Sezínio Fernandes de Jesus, em Linhares, norte do Estado, um dos mais recentes do Espírito Santo, que comemora 15 anos de neste sábado (4).

“A reforma agrária dá certo da forma que a gente propõe, reforma agrária popular”, complementa a assentada Geísa Carvalho, integrante da coordenação local do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

As 100 famílias assentadas cresceram nessa década e meia, crescendo também a produção de alimentos no local. “Os filhos cresceram, casaram, tiveram mais filhos. Tem uma casa que vemos como referência, que tem seis construções no mesmo lote, que são dos filhos da primeira assentada que cresceram e decidiram morar aqui. Olha a renda que isso gera para o município!”.

Apesar da formalização em 2008, as origens do Sezínio remontam a 1997, quando a área, da antiga Fazenda Aliança, foi ocupada por famílias que vieram de vários municípios do norte do Estado, como Nova Venécia, Mantenópolis, São Mateus, Pedro Canário, Pinheiros, Conceição da Barra e Aracruz.

A ocupação e os acampamentos “em lona preta”, afirma Geísa, são a principal ferramenta de reinvindicação de reforma agrária. “É ela quem denuncia as terras improdutivas, as terras devolutas que precisam ser destinadas à reforma agrária, por não cumprirem sua função social como está no ordenamento jurídico da Constituição Federal”, assinala. O norte do Estado, contextualiza, ainda é marcado por grandes latifúndios. “Vemos muitos resquícios de sesmarias aqui”, lamenta.

A cultura do latifúndio, conta, ainda impregna toda a região, forçando uma criminalização do MST. “Sofremos muito repressão no começo, ficamos sem água, os produtores de leite foram proibidos de vender leite para nossas crianças. Lutamos muito para chegar onde chegamos”.

Hoje o assentamento está organizado em 11 núcleos de base e a principal produção agrícola é o café. Também tem gado leiteiro e de corte, pimenta-do-reino, hortaliças, cítricos e lavoura branca em geral, com abóbora, milho, feijão, banana…”Tem um grupo que vende em algumas feiras, outros continuam vendendo para atravessadores, e tem muita produção que já é colhida sob encomenda. O feijão a gente entrega para as pessoas que pedem um saco, dois, gente aqui da região mesmo, nem dá tempo de chegar na feira ou nos atravessadores. E a gente doa muito alimento também”, conta.

Geísa destaca também o grupo que defende a agroecologia e trabalha com homeopatia e fitoterapia. “Fizeram curso com a Universidade de Viçosa. No começo a gente pensava em usar na lavoura, mas hoje usamos também nas pessoas. É muito emocionante falar desse trabalho, ver que ele funciona, que está dando certo”, celebra.

A escola local – Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio (EEEFM) Paulo Damião Tristão Purinha – é outra especificidade muito cara aos assentados e a todo o MST no Espírito Santo, pois tem conseguido sobreviver às seguidas ondas de fechamento de escolas do campo que já atravessaram o Estado e o País, mantendo um trabalho de educação que dialoga com a realidade dos estudantes assentados.

“A gente tem muito carinho com a nossa escola, se sente representado por ela. Mas também temos medo de municipalização e fechamento. Temos a escola como ponto de encontro e apoio de todas as famílias, com o trabalho de Educação do Campo que é feito aqui”.

O nome, ressalta Geísa, é uma homenagem a um dos defensores de direitos humanos assassinado na década de 1980 por grupos de extermínio que atuavam no norte do Estado. “Foi um dos companheiros ‘tombados’. Foi em 1989, em Linhares. E justamente pelo coronelismo da UDR, que fez uma onda de assassinatos na época, que tombou pessoas como Valdício Barbosa, em Pedro Canário, Verino Sossai, em Montanha, Francisco Domingos Ramos, Maria Nilce! Eram aquelas pessoas que denunciavam as atrocidades, que lutavam pela terra, pelos direitos trabalhistas, pelos direitos dos trabalhadores rurais”.

E toda essa história de sofrimento, mas também de vitórias, será vivenciada no aniversário deste sábado, que começa com a tradicional mística do MST. “A mística resgata o espírito de luta, para a gente não se perder em meio a tantos desafios. Traz os símbolos do MST, o hino, a bandeira, as músicas, principalmente as primeiras, do início do movimento, porque muita gente hoje não vivenciou esse começo. A mística narra a história de uma forma que transmite uma energia diferente para todos”, descreve.

A programação terá ainda celebração ecumênica, conversa com amigos, almoço comunitário e, na parte da tarde, atividades esportivas, culturais e artísticas, encerrando com show do músico Atanásio, também assentado do Sezínio. “Celebrar para nos fortalecer na luta”, reforça Geísa.


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