A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) pautou para esta quinta-feira (9) a votação para liberação do eucalipto transgênico no Brasil. A autorização para esses plantios ameaça as pessoas e o ambiente no país, e é particularmente grave para o Espírito Santo, onde os agrotóxicos são usados livre e intensamente em todo o Estado.
A CTNBio pode votar ainda na quinta-feira não só a liberação do eucalipto transgênico, mas também do milho transgênico resistente ao 2,4-D e haloxifape, os dois extremamente tóxicos. O 2,4-D é um dos ingredientes do Agente Laranja, usado pelos Estados Unidos da América na guerra do Vietnã.
A votação do eucalipto transgênico está em pauta na 181ª reunião da CTNBio, que será realizada das 9 às 13 horas, na sede da Agência Espacial Brasileira ( AEB), em Brasília. A reunião do mês passado da CTNBio que pautava o eucalipto transgênico foi interrompida por protestos da sociedade civil, liderada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
O eucalipto transgênico foi produzido pela FuturaGene Brasil Tecnologia Ltda, empresa que pertence à Suzano Papel e Celulose, e o processo na CTNBio visa liberar o produto no meio ambiente. O RN8, como é chamado o eucalipto geneticamente modificado, é “tolerante a herbicida”.
Para o Espírito Santo, esta maior tolerância ao herbicida complica uma situação já extremamente grave. O Estado já foi inundado por herbicidas pela Aracruz Celulose (Fibria) em seus eucaliptais.
Com a parceria do governo do Estado, principalmente nos dois primeiros governos Paulo Hartung (PMDB), de 2003 a 2010, e de Renato Casagrande (PSB), de 2011 a 2014, os plantios se espalharam para todo o Estado. Junto, os herbicidas.
O eucalipto transgênico agrega outros problemas. Como o seu crescimento é mais acelerado, ficando pronto para corte em quatro anos e meio anos – ao invés de sete anos, nos plantios atuais -, o consumo de água e de minerais será ainda mais intenso. E a destruição total do solo ocorrerá ainda mais rápido.
O eucalipto transgênico recebe criticas em todo o país. Entre os críticos está o professor da Universidade de São Paulo e integrante da CTNBio, Paulo Kageyama. Ele assegurou que na reunião do CTNBio, apontará fundamentos que permitirão a negação do pedido de liberação do eucalipto transgênico.
Um deles é o crescimento e amadurecimento da árvore de sete para quatro anos e meio. O professor lembra que estudos apontam um maior consumo de água nos primeiros quatro anos de plantio. São consumidos cerca de 30 litros de água potável por dia e o consumo de água tende a ser triplicado.
Haverá ainda prejuízo para a produção de mel. Hoje, 80% do mel brasileiro é certificado como orgânico, com o eucalipto transgênico, cerca de 350 mil produtores de mel orgânico no país serão prejudicados. A produção de mel será contaminada após a liberação do eucalipto transgênico.
Alerta ao governo
Desde a abortada votação do eucalipto transgênico em março, o governo federal ouviu o repúdio da sociedade civil aos transgênicos. Na ocasião, uma carta aberta ao ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, José Aldo Rebelo Figueiredo, ao qual a CTNBio está ligada, foi enviada por organizações, entre as quais o MST e o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA). Alerta sobre o risco dos transgênicos, entre os quais o milho e o eucalipto.
Além do ministro, a carta foi mandada ainda à presidência da CTNBio: “Através desta, vimos expressar nossa profunda indignação com uma possível decisão da CTNBio pela autorização do plantio comercial do eucalipto GM pela empresa de biotecnologia de propriedade da empresa de papel e celulose Suzano, a FuturaGene”.
Para as entidades, a CTNBio não pode aprovar o pedido porque, assim, o governo brasileiro desrespeitará não só a legislação brasileira, mas também a Convenção da Biodiversidade (CBD) da qual é signatário, em especial em relação ao princípio da precaução, e à decisão UNEP/CDB/COP/9/IX/5, que determina que antes de qualquer decisão quanto à liberação comercial de OGMs os governos signatários, no caso o governo brasileiro, deve realizar análises de riscos exaustivas e rigorosas em todos os biomas brasileiros, bem como editar normas que possibilitem a total segregação entre organismos transgênicos e não transgênicos, evitando assim a contaminação genética. E tudo isso, como apontam, ainda não foi feito ou apenas feita de forma precária e insuficiente.
“Existem graves incertezas com relação aos potenciais impactos ambientais e socioeconômicos das árvores geneticamente modificadas. Considerando-se o ciclo de vida longo e, muitas vezes, complexo das árvores e sua interação com a biodiversidade, é praticamente impossível prever as consequências e os impactos das árvores transgênicos”, ressaltam as organizações. Elas lembram, ainda, que a única audiência pública realizada sobre o tema, em setembro do ano passado, em Brasília, deixou evidente a insuficiência dos estudos realizados. Naquela ocasião, foi entregue ao presidente da CTNBio também uma carta de organizações brasileiras e latino-americanas.
Os motivos não são poucos. Além dos riscos já mencionados, os supostos ganhos ambientais e socioeconômicos não são compatíveis com a realidade já experimentada com o modelo da monocultura em larga escala, usado há décadas no Brasil, e no qual o eucalipto GM será inserido. “O benefício alegado pela Futuragene/Suzano de um aumento da produtividade em mais 20% será apenas um incentivo a mais para a expansão deste modelo, agravando seus impactos negativos, em vez de reduzi-los. Estes impactos incluem a aplicação em larga escala de agrotóxicos e o voraz consumo de água pela monocultura de eucalipto, num país que enfrenta atualmente uma das suas mais graves crises hídricas”.
Há também impactos específicos do eucalipto transgênico para os apicultores diante da contaminação e efeito nas abelhas; exportadores de mel poderão até mesmo ser obrigados a rotular seus produtos além da possibilidade real de sofrer embargos por outros países.
“Por tudo isso, pedimos que o governo brasileiro, através da CTNBio e deste Ministério em especial, tome todas as providências para não permitir a aprovação da solicitação feita pela FuturaGene/Suzano para o plantio comercial de eucalipto transgênico, ou por qualquer outra empresa que também tenha feito, ou venha a fazer no futuro, uma solicitação para essa liberação”.
Assinam a carta, além do MST e MPA, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB); Movimento de Mulheres Camponesas (MMC); Pastoral da Juventude Rural (PJR); Movimento dos Pescadores e Pescadoras (MPP); Coordenação Nacional de Comunidades Quilombolas (Conaq); e Via Campesina Brasil (VCB).