Na verdade, assim é com tudo o que é produzido dentro da escola. Porque um dos princípios que guia as escolas familiares agrícolas é a formação integral do indivíduo, com foco em sua inserção participativa no contexto social ao qual ele pertence.
“A escola age na formação de sujeitos mais autônomos e pensantes, na formação de jovens protagonistas”, afirma Matheus Pancieri Fellim, um dos estudantes que atua na organização do XIX Encontro. “É um princípio, um valor estupendo que a nossa escola carrega. Não é só aprender Português e Matemática, é formar o jovem pra ele ser protagonista na comunidade dele, ser uma pessoa que vai lutar pelos quilombolas, pelos assentados da Reforma Agrária, pelas pessoas marginalizadas, pelos pobres, e para ocupar espaços na política. Isso está tão presente na minha escola, que tem sujeitos que hoje ocupam cargos políticos importantes. As pessoas bem-sucedidas da agricultura passaram pela escola família”, atesta o estudante.
Matheus vem de uma família já tradicional na Escola Familiar Agrícola de Vinhático (EFAVI). Seu pai já participava do conselho da escola antes que ele começasse a estudar. E continua até hoje. Ele também se vê participando da escola mesmo depois de concluídos os estudos.
Ilva Nogueira Moreira Panciero, dona de casa e agricultora aposentada, tem trajetória semelhante. As três filhas passaram pela Escola de Vinhático, sendo que duas se formaram técnicas agropecuárias e, depois, fizeram faculdades de Agronomia e Biologia, e a caçula concluiu o ensino médio fora e se formou em Administração. Ela, no entanto, continua ativa no conselho da escola e na comissão de organização do encontro. “Porque essa escola pra gente é tudo. É uma base pros filhos, pros agricultores. É por isso que a gente está aqui”, conta.
Ilva ajuda nos mutirões e, para a festa, tem a tarefa de levantar dinheiro e brindes para o bingo. Este ano, como candidata à Rainha das Margaridas, foi atrás também de votos. Tem duas concorrentes. “De dia tem as palestras e de noite a festa da primavera. Enfeitamos tudo com flores, fazemos bolos, biscoitos, doces”, descreve, animada.
Este ano, os temas das duas palestras são: “Os desafios da atualidade e nosso papel de mulher” e “A importância do autoconhecimento da mulher para uma atuação mais equilibrada na família, trabalho e sociedade”. A programação conta ainda com oficinas, festa cultural, bingo, místicas e técnicas de relaxamento.
A dona de casa conta que participa do Encontro desde a primeira edição e que foi a primeira vez que fez as malas pra passar a noite fora de casa, a não ser as vezes em que foi ao hospital para parir as três filhas. “Esse encontro é o dia de sair de casa, ficar longe de fogão, ficar feliz, cantar, dançar, pular. É um dia de lazer”, festeja.
A dedicação à escola e às atividades que ela desenvolve, como o Encontro de Mulheres, foi a forma encontrada para apoiar a educação das filhas e retribuir as bênçãos recebidas. “Eu não estudei, sei o 'basiquinho' pra mim, pra ler e escrever um pouco, mas pra mim, o básico. E o que eu não tive, eu dei pras minhas filhas”, emociona-se.
Só mesmo o afeto e o senso de pertencimento explicam o sucesso das escolas agrícolas familiares, com sua Pedagogia da Alternância, em que o estudante alterna uma semana inteira, dormindo e se alimentando no ambiente escolar, com uma semana em casa, ajudando a família com a lida na lavoura.
As EFAs são criadas e mantidas por associações de pais e membros da comunidade, todos voluntários. A sustentação financeira vem de duas fontes principais: convênio com a municipalidade e recursos levantados pela própria comunidade. No caso do Vinhático, a festa anual arrecada a maior parte do orçamento, havendo também os projetos selecionados em editais, como o do Bando do Brasil, mais recentemente. As contribuições mensais dos associados têm valor simbólico de R$ 2,00 e, para a alimentação, é sugerida uma contribuição, voluntária, de R$ 25,00 por semana.
A Escola Familiar Agrícola de Vinhático foi fundada há 29 anos e já formou 500 técnicos agrícolas. Hoje tem 170 estudantes – de 14 municípios e três estados – no ensino fundamental e médio, integrado ao curso profissionalizante técnico em agropecuária. “Já sai no quarto ano com diploma”, orgulha-se Matheus.
A qualidade do ensino é amplamente reconhecida, atraindo alunos até da cidade que, mesmo não vivendo a realidade do trabalho rural, são atraídos pela qualidade e pelo método diferenciado de ensino, que privilegia uma formação mais completa, de cidadão, e não só de um profissional, especializado em uma área de conhecimento.