Realizadora do evento com o Incaper, Associação Nativa está prestes a ter selo de Identificação Geográfica
Uma espécie nativa da Mata Atlântica que rende frutos cobiçados em diversos mercados no Brasil e no exterior. Uma atividade extrativista que se desdobrou em cultura agrícola, com investimentos crescentes em pesquisa científica, e que estabeleceu uma cadeia produtiva ampla de produtores, extrativistas, atravessadores, beneficiadores e exportadores.
A aroeira é comum em todo o Espírito Santo, especialmente no litoral norte, onde milhares de famílias têm na planta a garantia de sua subsistência. A região é referência brasileira na exploração do seu fruto, a pimenta-rosa, utilizada como condimento valorizado, além de matéria-prima na indústria cosmética e farmacêutica, concentrando 90% das iniciativas dessa cadeia produtiva. Não poderia ser outro, portanto, o endereço do 1º Festival Brasileiro de Pimenta-rosa.
O evento acontece de 3 a 5 de junho, na comunidade de Nativo, em São Mateus, na sede da Associação de Produtores e Extrativistas de Aroeira do ES (Nativa), que será inaugurada durante o festival. A realização é da Nativa, em parceria com o Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper) e a Prefeitura de São Mateus, com apoio de outros órgãos públicos, empresas e cooperativas.
A programação contempla palestras, atividades culturais e lúdicas envolvendo o público escolar; inauguração da Unidade Coletiva de Extração de Óleos e Coprodutos da Aroeira e outras espécies; demonstrações de processos de beneficiamento e extração de óleo da pimenta rosa – limpeza, secagem, destilação; venda de produtos artesanais à base de pimenta-rosa fabricados pela associação; e visitas em áreas de produção e caminhadas com aula de culinária e degustações de produtos da gastronomia local com uso de pimenta-rosa.
Indicação Geográfica (IG)
A expectativa é de que a associação consiga, até a data do evento, a concessão de sua Indicação Geográfica (IG), selo que vai agregar mais valor à pimenta-rosa produzida na região e em outros municípios capixabas que atingirem as especificações de qualidades exigidas na certificação como grau de maturação, coloração, integridade da casca, porcentagem de frutas verdes misturados. Padrões que serão monitorados pela própria entidade.
“O processo no INPI [Instituto Nacional de Propriedade Industrial] está bem adiantado”, informa Fabiana Ruas, extensionista, pesquisadora e coordenadora do GT Aroeira/Incaper, formado por 18 pesquisadores e extensionistas de diversas regiões do Estado.
“É um incentivo para que os produtores e extrativistas busquem atingir um padrão maior de qualidade. Havia muito problema no passado de qualidade de frutos e a indústria colocava um valor muito baixo ou descartava. Com esse incentivo, vai haver mais interesse em colher no padrão correto e receber um valor mais adequado”, explica Fabiana.
Os frutos que não atenderem ao padrão, no entanto, não precisam ser descartados. “Se não atinge o padrão visual exigido pelo mercado gourmet, pode ir para a destilação, que tem valor agregado importante, para produção de óleos essenciais, sabonetes, perfumes e hidrolatos, ou mesmo para o mercado de condimentos”.
Força feminina
As mulheres, explica a extensionista e pesquisadora do Incaper, têm um papel muito importante nessa garantia de qualidade. O trabalho de pós-colheita é feito basicamente por elas, iniciando com a “bateção”, quando os delicados frutos são separados das folhas. Os homens, facão na mão, fazem a colheita dos galhos e as mulheres, com uma técnica correta de “bateção”, conseguem separar os frutos sem prejudicá-los, sem quebrar a casquinha, que é muito sensível. “Elas usavam um raminho de cambucá para bater nos galhos em cima de uma mesa. Hoje agregaram uma tela, que levam para o campo. Os pequenos frutos perpassam a tela, que retém apenas as folhas”, explica.
As mulheres também estão mais presentes na destilação, atividade que tem mão de obra quase 100% feminina, além da produção de óleos, sabonetes, pomadas, aromatizadores, repelentes…a criatividade é incrível, exulta Fabiana, e inclui receitas bonitas e saborosas, doces e salgadas.
Plano de negócios
Um outro viés de trabalho como extensionista visa alinhar os vários elos da cadeia produtiva. “Estamos convidando empresas de São Paulo e Paraná para participar do festival. Empresas que vêm comprar aqui no Espírito Santo a pimenta-rosa. Há também empresas do Rio de Janeiro e Bahia que trazem seus frutos para beneficiar no Estado”, expõe.
Nesse sentido, o Incaper contrata um Plano de Negócios da cadeia produtiva da pimenta-rosa. “Vai nos dar condições de mapear todo o caminho que a pimenta-rosa faz no Espírito Santo”. Há também um projeto em parceria com cinco campi do Ifes, voltados à Agricultura 4.0. “Para atrair a participação da juventude”, salienta, “com uso de drones e aplicativos de celular”.
Direitos assegurados
O próximo passo, anuncia, é apoiar mais fortemente a estruturação da Associação Nativa. “A ideia é cadastrar todo mundo, para que todos tenham uma carteirinha”. O documento pode abrir muitas portas para direitos sociais e trabalhistas, a exemplo do Registro de Pescador Profissional (RGP), bem conhecido na região do Nativo, onde a pesca artesanal é outra atividade econômica fundamental. Além de garantir acesso ao crédito rural e a indenizações, como as relacionadas ao crime da Samarco/Vale-BHP, em novembro de 2015.
“Há relatos de mulheres de comunidades atingidas que estão completamente à margem, não receberam nenhum subsídio, nem auxílio financeiro, nem indenização, porque não tinham nenhuma comprovação que desenvolvem essas atividades”, lamenta Fabiana. “Por isso estamos levando, para o festival, o Ministério da Agricultura, o Idaf e todos os atores importantes nesse trabalho”.
Amor à causa
O objetivo é ajudar a melhorar as condições de trabalho e de vida das comunidades. “O que me interessa, enquanto técnica, extensionista e pesquisadora, é ver o nosso público melhorar de vida”, sublinha. “”A gente trabalha por amor à causa”, diz, referindo-se às crescentes dificuldades enfrentadas pelo Incaper, devido a um processo sistemático de sucateamento, acumulado há muitas gestões estaduais.
“O Incaper hoje trabalha com 40% do orçamento. A gente precisa ir nas comunidades, viajar, mas muitas vezes sem uma diária. Quando consegue, é de R$ 112, e tem que escolher se come ou se dorme. Já paguei gasolina do meu bolso várias vezes para conseguir trabalhar. Mas somos nós, entidades públicas, que estamos com as comunidades. As instituições privadas não fornecem esse apoio, fazem projeto de curto prazo, depois desaparecem. Nesses quinze anos, várias instituições privadas já passaram, levaram informações das populações e do Incaper, e depois desapareceram”, relata.
A persistência e o amor à causa, explica, têm como pagamento os resultados gerados na vida das pessoas atendidas. “O nosso público é o agricultor familiar, o extrativista. A gente trabalha para eles. E é bonito ver o que está acontecendo no Nativo, por exemplo”, conta, referindo-se à evolução da comunidade e das famílias, todas com casas de alvenaria, saneamento básico e carro próprio.
“As crianças, adolescentes e jovens, agora têm orgulho de dizer que são extrativistas ou produtores de aroeira. Isso para mim é o que vale. Antes, ninguém conseguia falar nas reuniões, manifestar o que pensava e sentia. Hoje se expressam com segurança, vão para a Câmara de Vereadores debater, exigir direitos…É essa evolução que dá um certo orgulho na gente, dá sentido ao trabalho”, afirma.
Mais informações
Para saber mais sobre o 1º Festival Brasileiro de Pimenta-rosa, entre em contato com o Incaper, no telefone (27) 3636-9805 ou no email [email protected].