Falta de consenso deixou Macroterritório Sul fora de sentença judicial para atuação imediata de assessoria técnica
“Essa comissão é uma farsa. Não tem compromisso em defesa dos atingidos do nosso território”. A afirmação é do presidente da Associação Comunitária de Barra de Riacho (ACBR), Herval Nogueira, e refere-se à Comissão de Atingidos de Barra do Riacho, formada por um grupo de moradores do balneário que, instruídos por advogados particulares, reivindicam uma assessoria técnica diferente da escolhida em 2018, em consultas e eleições coordenadas pelo Fundo Brasil de Direitos Humanos, expert contratado pelo Ministério Público Federal (MPF) para assegurar a lisura do processo de definição das entidades que irão garantir a implementação desse direito basilar dos atingidos pelo crime da Samarco/Vale-BHP.
A comissão, explica, está no epicentro das divergências que impediram o consenso sobre a entidade a ser contrata como AT para todo o Macroterritório Sul (Aracruz, Fundão e Serra), na audiência de conciliação realizada na última terça-feira (11) em Belo Horizonte, Minas Gerais, pelo novo juiz do caso, Michel Procópio Ribeiro Alves Avelar.
Sem o consenso alcançado nos demais territórios, a região não está contemplada na sentença emitida nessa quinta-feira (13), determinando a contratação imediata da Associação de Desenvolvimento Agrícola (Adai). No despacho, o magistrado afirma que o Macroterritório Sul será alvo de uma análise por parte do juízo, juntamente com o Ministério e as Defensorias Públicas, instituições de justiça que defendem os atingidos nos últimos sete anos.
O atraso na determinação de atuação das entidades no assessoramento das populações atingidas nos três municípios tenta ser corrido pelos próprios moradores, com uma mobilização que visa permitir uma decisão mais rápida e justa possível por parte do magistrado, com auxílio dos procuradores e defensores.
O grupo que se apresenta como maioria no macroterritório prepara um abaixo-assinado expondo a necessidade de também trazer a Adai para o trabalho imediato, evitando prolongar ainda mais o atraso, que já acumula quatro anos.
“Na audiência, o próprio juiz Michael fez a mea-culpa, dizendo que parte desse atraso, desse problema para os atingidos, foi causado pela própria justiça, que não resolveu os processos, não determinou a contratação imediata das assessorias que a gente já tinha escolhido”, rela Herval Nogueira, remetendo-se a um dos momentos da audiência de terça-feira, da qual ele participou.
“Ele foi diplomático, não disse que a culpa foi do juiz anterior, Mário de Paula [Franco Junior], que foi quem ajudou a criar essas comissões falsas, que orientava os advogados, dizendo como fazer as petições para ele poder aprovar”, avalia o líder comunitário, citando um aspecto que foi formalmente denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) contra o antigo juiz da 12ª Vara. Essa e outras atuações de Mário de Paula foram alvo de outras denúncias, feitas pelas instituições de Justiça.
Contra ele pesa também um documento assinado por mais de 100 juristas brasileiros, além de entidades como a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD). A falta de imparcialidade de Mário de Paula, no entanto, não foi acolhida pelo Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF-1).
As comissões de atingidos apoiadas por Mário de Paula tiveram início em Baixo Guandu, noroeste do Estado, sob liderança da advogada local Richardeny Luiza Lemke Ott, e foram se disseminando em outras cidades. Em outubro de 2020, o MPF peticionou a anulação de todos os atos da 12ª Vara referentes aos acordos firmados entre a Fundação Renova e as comissões, que previam, entre outras medidas apontadas como irregulares e contrárias aos direitos dos atingidos pelo órgão ministerial, o fechamento do cadastro de atingidos e a quitação geral de danos.
A peça jurídica cita vários trechos das sentenças do próprio Mário de Paula, apontando aspectos esdrúxulos da denunciada “parceria” entre o juiz e os advogados que coordenavam as comissões. Entre elas, o pedido de sigilo na tramitação das ações de indenizações impetradas pelos advogados em nome dos atingidos e o impedimento de participação do MPF no processo.
O pedido de exclusão do MPF do processo de escolha das assessorias técnicas é outro ponto destacado pelo presidente da Associação Comunitária de Barra de Riacho, que expõe a ilegitimidade da Comissão de Barra do Riacho em pedir uma outra AT, diferente da já escolhida há quatro anos.
“É oportunista, sem caráter. Pediu à justiça para não realizar a reunião do dia cinco de agosto de 2022, na nossa associação, com o Fundo Brasil, onde a gente iria definir se continuaria com a Adai. O Fundo Brasil é prestador de serviço do Ministério Público. É quem tem defendido a gente, junto com a Defensoria Pública. Então essa Comissão é parte do cartel de ambição das comissões que começaram lá em Baixo Guandu. Elas têm essa relação política, todas elas têm essa visão contra o Ministério Público”, explica.
Um dos que se pronunciou na audiência em Belo Horizonte contra a Adai foi o coordenador do Movimento Nacional dos Pescadores e presidente da Federação das Associações de Pescadores do Espírito Santo, Manoel Bueno dos Santos, o Nego da Pesca. “Eu falei que a nossa preocupação é com a lentidão. Nós já estamos há quatro anos esperando. A gente aqui na Serra, Fundão, Aracruz, somos o último território praticamente. A Adai vai ter perna para a gente até aqui e fazer o trabalho com agilidade? Já temos duas entidades aqui que nos ajudam, que fizeram cartografia da pesca, que podem agilizar, porque já conhecem a região”, argumenta, citando as ONGs Voz da Natureza e Líder.
Herval Nogueira afirma desconhecer a relação das duas ONGs com todo o macroterritório. “Elas nunca foram conversar com a associação comunitária nem com a colônia de pesca daqui. A gente não vê nada que elas tenham feito”.
Numa tentativa de conciliação, Nego da Pesca vislumbra uma atuação conjunta das ONGs que atuaram com os pescadores e a Adai, escolhida originalmente. “Talvez entrar numa parceria, a Adai com elas”, propõe.
Entidade local
Até o momento, apenas um território teve sua assessoria técnica contratada, que é a comunidade quilombola de Degredo, em Linhares. A escolha foi por uma entidade local para o trabalho, a Associação dos Pescadores e Extrativistas e Remanescentes de Quilombo de Degredo (Asperqd).
A entidade é coordenada por moradores da própria comunidade, que também compõem alguns quadros técnicos. A contratação se deu em maio de 2020 e, desde então, vários direitos vêm sendo garantidos de forma diferenciada, em relação a indenizações, auxílios e continuidade do fornecimento de água.