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​’Estamos alimentando a nação e o governador não vê isso’

Ato de servidores do Incaper e agricultores familiares questionou enfraquecimento de políticas de atenção rural no Estado

A luta pelo apoio à agricultura familiar foi o centro de ato realizado na manhã e tarde desta quarta-feira (13), no Centro de Vitória. Servidores do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper) e agricultores ligados a diversos movimentos sociais, sindicatos e cooperativas rurais estiveram nas ruas para reivindicar diálogo com o governador Renato Casagrande (PSB) e melhorias, sobretudo nas condições para os atendimentos prestados pelo instituto.

A ação teve início em frente à Secretaria de Estado de Gestão e Recursos Humanos (Seger), responsável por mudanças que os manifestantes consideram que enfraquecem o Incaper, e foi em caminhada com cerca de 500 pessoas até o Palácio Anchieta, onde o movimento esperava ser recebido pelo mandatário estadual para encaminhar suas demandas. Casagrande estava em agenda no interior, mas se comprometeu a receber os manifestantes entre os dias 25 a 29 de abril. 

Leonardo Sá

“Os trabalhadores do Incaper estão todos os dias na roça, no campo, junto com os produtores rurais melhorando a forma de produzir e comercializar. Isso também traz benefícios para as pessoas nas cidades. A população urbana precisa saber que o Incaper é fundamental, assim como serviços de saúde, educação e segurança. É importante para todo mundo”, disse Luiz Bricalli, presidente da Associação dos Servidores do Incaper (Assin).

Durante o ato, foram distribuídos cerca de uma tonelada de alimentos da agricultura familiar para a população do Centro e trabalhadores que transitavam a pé ou de automóvel. “Somos aliados porque essa luta tem tudo a ver com a agricultura familiar camponesa, que é quem produz alimentos de verdade”, diz Valmir Noventa, do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), que esteve presente no ato. 

Ele lembrou que questões em evidência atualmente, desde o nível local até o internacional, como os dilemas ambientais e alimentares, só encontram solução com participação direta dos agricultores, que precisam do apoio da pesquisa, assistência e extensão rural.

A situação, entretanto, é preocupante, segundo Moisés Marré, extensionista do Incaper em Nova Venécia, no noroeste do Espírito Santo. Ele considera que o cenário vem se agravando ao longo dos últimos cinco anos, com a redução de profissionais e do apoio ao funcionamento dos escritórios locais. Segundo Moisés, vários desses escritórios têm funcionado sem profissionais administrativos e de limpeza.

Além disso, os extensionistas têm trabalhado com um valor para combustível mensal suficiente para circular apenas 25 km, o que inviabiliza um trabalho adequado de atendimento nas comunidades e propriedades rurais, especialmente nos municípios em que as distâncias são maiores. “Isso é um desrespeito a qualquer profissional! Queremos condições dignas, salários justos e melhor estrutura para atender agricultores familiares”, diz o servidor, que acompanha 26 famílias de produtores orgânicos que entregam semanalmente cerca de 10 toneladas de alimentos saudáveis para políticas de abastecimento. “Estamos alimentando a nação e o governador não vê isso. Não respeita. Talvez porque ande de helicóptero e não veja a importância da agricultura familiar”, ironiza.

Leonardo Sá

Engenheiro agrônomo aposentado, Edgar Formentini, que foi servidor ativo do Incaper por 33 anos, era um dos mais engajados na entrega de alimentos à população. “Esse ato vem tornar público o descaso que está acontecendo com a agricultura familiar no Espírito Santo”, denuncia. Ele apontou que há questões fundamentais a serem melhoradas, como o acesso à terra, já que há mais de uma década o Estado não têm novos assentamentos rurais, o crédito rural, que pode ser potencializado por bancos estaduais como Banestes e Bandes, e a educação no campo, que precisa de maior apoio.

A essas se somam também com grande importância as reivindicações centrais do ato no Centro de Vitória. “As tecnologias avançam a uma velocidade incrível. Os agricultores não têm condições de acompanhar isso no dia a dia, pois precisam trabalhar no campo. Por isso a extensão rural tem um papel fundamental de levar tecnologias novas tanto na agricultura tradicional como na orgânica e agroecológica”, diz Edgar, reconhecido por seu conhecimento em torno da agroecologia.

Para ele, a extensão rural também ajuda a motivar e fomentar a organização dos agricultores, por meio de associações, sindicatos e cooperativas, demandas para as quais ele entende que o Incaper deveria ter mais servidores.

Além das perdas salariais acumuladas, que contribuem com a desmotivação dos trabalhadores, Edgar critica que os últimos servidores admitidos pelo Instituto não receberam treinamentos para os serviços para os quais foram contratados. “Os profissionais foram contratados e ‘jogados’ para os serviços. Sem esses treinamentos, não conseguem levar adequadamente o processo de atenção rural, com suas demandas específicas”, considera

As mobilizações dos trabalhadores do Incaper vêm desde 2019, relata Renata Setubal Lourenço, diretora do Sindicato dos Trabalhadores e Servidores Públicos do Estado do Espírito Santo (Sindipúblicos), quando foi feito um seminário com apoio do governo estadual que resultou num documento denominado “O Incaper que queremos”, reunindo reivindicações de servidores e agricultores familiares para fortalecimento do setor.

Desde então, os servidores não conseguiram ser ouvidos por Casagrande. “Estamos vivendo um momento difícil de diálogo com o governador em todos os setores. A Seger promoveu um realinhamento de carreiras no mês passado sobre o qual o Sindipúblicos, que é a base representativa dos servidores, foi apenas comunicado depois que já estava pronto. Esse realinhamento deveria ser construído em conjunto com os servidores, mas foi imposto. Estamos tentando dialogar, a Seger recebe, abre as portas, mas não encaminha. Queremos encaminhamentos que tentamos desde 2019”, reclama a dirigente sindical.

“O governo tem feito uma política macro, olhando para os grandes, para empresários, latifundiários agroexportadores, mas olhando para o povo capixaba e para agricultura familiar não tem feito muito, e sucateia órgãos e políticas que atendem a esse público, como é o caso do Incaper. Nós repudiamos essa atitude do governo e nos alinhamos a nossos colegas do Incaper”, pontua Valmir Noventa.

Isso parece se refletir também de alguma maneira na gestão e comando do Incaper. “Há algo complicado desde o processo de planejamento estratégico, que está levando em consideração uma gestão empresarial e não uma gestão de processos didáticos e interativos, como tem que ser na extensão rural”, relata Edgar Formentini.

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