Pescadores ocupam escritório da Samarco/Vale-BHP em Baixo Guandu
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Desde a manhã dessa terça-feira (11), pescadores da Associação Renovo do Vale ocupam o escritório da Samarco/Vale-BHP em Baixo Guandu, noroeste do Espírito Santo, em protesto contra o “Termo de Transação para Indenização e Quitação Aplicável ao Programa de Indenização Mediada (PIM) – Lucros Cessantes Definitivos”, previsto no acordo da repactuação assinado para reparação dos impactos causados pelo crime socioambiental do rompimento da barragem em Mariana (MG) em 2015, que impactou vários municípios capixabas ao longo da bacia do Rio Doce e do litoral.
Os manifestantes sustentam que não sairão do local enquanto a empresa não recuar em pontos críticos do documento, como as cláusulas de quitação e renúncia a outras ações judiciais. Segundo Wellington Pereira de Carvalho, presidente da associação, o termo atual impõe uma quitação irrestrita, que compromete futuras indenizações e os direitos dos pescadores atingidos.
“Os pescadores profissionais e agricultores tinham esse lucro cessante anual, além do Auxílio Financeiro Emergencial (AFE), que é mensal. Mas agora querem pagar o lucro cessante e tirar todos os nossos direitos. Nós não aceitamos, pois se assinarmos, abrimos mão de tudo que ainda temos direito a receber no futuro”, explica.
Ele relata que representantes da equipe de reparação da Samarco contataram o grupo à noite, propondo que, caso desocupassem o escritório, haveria uma revisão dos pontos reivindicados. No entanto, essa proposta foi recebida com desconfiança pela associação, que exige uma garantia documentada antes de qualquer desmobilização.
Os pescadores alegam que já vivenciaram situações semelhantes com a Fundação Renova, criada para gerir a reparação do crime, em que promessas anteriores não foram cumpridas, e reforçam a necessidade de formalização do compromisso. “Pedimos a alteração no texto do acordo, mas até agora só fomos enrolados. Se sairmos daqui, vamos continuar sem solução. O tempo está passando e precisamos de uma solução concreta”, enfatiza Wellington.
O termo estabelece que, ao assinar o acordo e receber o pagamento, o requerente concede “quitação integral, final e definitiva, em caráter irretratável e irrevogável”, impedindo qualquer futura ação judicial contra a Samarco, Vale, BHP Brasil e a extinta Fundação Renova. Também impede o ingresso de herdeiros e sucessores em eventuais pedidos de indenização.
Outro ponto de insatisfação é o desconto do Imposto de Renda sobre os valores pagos. Os pescadores denunciam que a dedução de 15% sobre os lucros cessantes reduz consideravelmente o valor final recebido. O termo também determina que honorários advocatícios de até 5% serão pagos pela Samarco, mas os manifestantes alegam que isso não compensa as perdas causadas pelos descontos tributários.
O presidente da associação reforça que a Samarco precisa rever as cláusulas do acordo: “Eles estão tentando nos empurrar um acordo que tira nosso futuro. Já passamos quase dez anos sem o nosso sustento. E agora querem que a gente assine um documento que impede qualquer futura reivindicação? Isso é inadmissível”, critica.
A repactuação estabelece que a Samarco e suas acionistas Vale e BHP ainda têm a obrigação de destinar R$ 31,5 bilhões para ações de reparação direta, incluindo indenizações e assistência às comunidades atingidas. No entanto, os manifestantes dizem que a forma como os recursos serão distribuídos ainda é incerta e que o impacto real do crime na vida dos pescadores não tem sido adequadamente levado em consideração. “São muitas dúvidas e inseguranças ainda. Depois da repactuação, ninguém veio conversar conosco a respeito do que vai acontecer no próximo ano. Na verdade, não teve nem um começo de informação ainda”, aponta.
A preocupação dos pescadores também envolve a substituição do AFE pelo Programa de Transferência de Renda (PTR), que estabelece um aporte de R$ 3,75 bilhões para atender agricultores familiares e pescadores. O PTR prevê o pagamento de 1,5 salário-mínimo mensal por até 36 meses, seguido de um salário-mínimo por mais 12 meses. Para o presidente da associação de pescadores, essa compensação não supre a perda financeira que ainda enfrentam.
“Quando a lama chegou ao Rio Doce, nossa associação participou do resgate dos peixes. Depois, passamos dias recolhendo os que estavam mortos. Hoje, vivemos com um salário mínimo e um adicional de 20% por dependente. Isso nunca fez parte da nossa rotina. Agora, temos pescadores que viveram a vida toda no rio e hoje estão adoecidos mentalmente. Nossas esposas estão com depressão, ansiedade, pressão alta. Nossa paz acabou” lamenta.