Proposta é contrária à remediação da crise climática. Tema deve ser tratado em audiência pública do PlanMob
“O impacto gerado por estas vias no manguezal e nos alagados será grande, afetando a vida de muitos animais como o Jacaré-de-papo-amarelo que se encontra ameaçado de extinção na lista vermelha do Espírito Santo e que tem como seu último refúgio, na região urbana de Vila Velha, a Lagoa Encantada. Elas também aumentarão os lixos jogados na área e a morte de animais atropelados facilitarão a entrada de caçadores”, explana o coletivo APP Lagoa Encantada em suas redes sociais, ao convidar os amigos da bela área natural a participarem do debate com propostas que melhorem o traçado das vias planejadas para o futuro da região.
Uma estrada, em especial, preocupa os socioambientalistas: uma via arterial, com cerca de 40 metros de largura, que foi proposta para passar sobre o leito do rio Aribiri, seguindo, a sudeste, pelo entorno direto – e, em alguns momentos, dentro – da unidade de conservação para proteção legal da lagoa e seus alagados e manguezais, cuja proposta de criação já tramita dentro da prefeitura. O traçado segue por esse terreno extremamente frágil e de natureza ainda selvagem, até o Morro do Carcará, no limite sul da unidade de conservação proposta.
“Fizemos um documento para o município e foi alterado para via coletora. Do meu ponto de vista, ainda não atende, é muito agressivo”, afirma Irene Léia Bossois, do Fórum Popular em Defesa de Vila Velha, em vídeo divulgado nas redes sociais. “Porque até criar uma unidade de conservação, não tem que ter via nenhuma (…)”, ressalta, reforçando a urgência de se criar uma unidade de conservação na área. “Sem a unidade de conservação, fica muito fragilizado o local”, acrescenta.
Participação social
O trecho da estrada proposto para passar ao lado do Atacadão, conectando a via à Rodovia Carlos Lindenberg, sublinha a ativista, aparece nos mapas históricos do Estado como leito do rio Aribiri. Por isso sua sugestão para que essa conexão de vias seja, minimamente, feita por meio de um elevado, para não prejudicar a ligação da Lagoa Encantada com o canal do rio Aribiri. “Porque, se não, a gente está praticamente extinguindo um rio”, alerta a pesquisadora. “Isso pode ser modificado na audiência pública”, convoca.
Em sua avaliação, as propostas feitas ao PlanMob até o momento pela sociedade civil conseguiram melhorar o plano inicial. “Eu acho que está melhorando, sim. Até porque havia vias que cortavam a lagoa. Pelo menos essa via, por mais que eu não considere adequada, mesmo sendo coletora, está no entorno”.
Biodiversidade
O fotógrafo Wilerman da Silva Lucio, integrante do Fórum de Desenvolvimento Social, Econômico e Ambiental do Grande Vale Encantado (Desea), lembra que quando criança, na década de 1990, catava caranguejos naquele ponto do rio que se conecta com o manguezal e alagados.
Acompanhando desde então as transformações do local, ele conta que há ainda uma biodiversidade importante. “Muitos bichos, peixes, jacaré, aves. Já soubemos de jacaré que passou aqui e saiu em Jardim Marilândia. Aves tem maçarico, lavadeira mascarada, martim pescador…capivara também ocorre”, conta, citando os exemplares da fauna mais emblemáticos da região, que é utilizada por observadores de aves de várias partes do Estado e do país.
Apesar da poluição, a lagoa também é muito utilizada ainda por moradores como área de lazer e contemplação da natureza, havendo seguidos mutirões de limpeza e reflorestamento de suas margens.
Crise climática
A potencial extinção de um rio, a ocupação de uma área natural tão importante para a cidade e a demora na criação de uma unidade de conservação que oriente o desenvolvimento do entorno são medidas contrárias ao que preconiza os planos e tratados voltados à mitigação da crise climática mundial.
Num paralelo com a tragédia recente de inundações em Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, e em tantas cidades capixabas, o militante salienta a necessidade de mudar a perspectiva com que se planejam estradas e áreas protegidas no município.
“Lá em Petrópolis a gente viu ocupação em topos de morro. Às vezes por não ter capacidade financeira para comprar em um lugar melhor, as pessoas se arriscam na beira de rios e nos topos de morros. A ocupação em Vila Velha, em alguns locais, vem causando problemas, como em Guaranhuns e Pontal das Garças, que demandaram um gasto muito grande do poder público para resolver. A ocupação da Lagoa Encantada pode demandar esse gasto público também”, expõe.
Wilerman lembra ainda que o entorno da lagoa tem uma área de três milhões de metros quadrados diretamente influenciada por ela. “A primeira coisa que se faz para ocupar uma área é colocar uma estrada”, alerta. Acontece que essa região, acentua, absorve uma quantidade imensa de água das chuvas. Se for aterrada, para a construção de estrada e imóveis, haverá muitos impactos negativos. “Com certeza vai impactar ali e em outros locais, principalmente quem está rio abaixo”.