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Estudo internacional investiga morte de manguezal no Piraquê-Mirim

Área atingida em 2016 por evento climático causa perda de US$ 792 mil/ano, sem contar o carbono não sequestrado

Por que o manguezal do Piraquê-Mirim, em Aracruz, norte do Estado, ainda não se recuperou da mortalidade ocorrida em junho de 2016? Quantos serviços ecossistêmicos são perdidos desde então? Quanto carbono deixa de ser sequestrado da atmosfera enquanto o manguezal definha? Como recuperá-lo?

PELD-HCES

O mistério e o desafio intrigam pesquisadores de instituições capixabas, brasileiras e estrangeiras, que investigam as causas e impactos da morte de aproximadamente 500 hectares de vegetação – quase um terço de sua área total, de 1,7 mil hectares –, ocorrida após uma chuva de granizo em junho de 2016, no auge da maior seca que abateu o Espírito Santo desde 1950.

Na época, o desastre atingiu os manguezais dos rios Piraquê-Açú e Piraquê-Mirim – protegidos pela Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Municipal dos Rios Piraquê-Açu e Piraquê-Mirim –, sendo que o primeiro está se recuperando, mas o segundo continua em acelerada degradação.

Os dois rios se juntam na altura da Terra Indígena Tupinikim e Guarani, para formar o Rio Piraquê, que percorre mais quatro quilômetro até desaguar na praia de Santa Cruz, imprimindo uma das paisagens naturais mais belas do litoral norte capixaba, berçário de grande biodiversidade, que se destaca no contexto de todo o Atlântico Sul.

Por que um manguezal se recupera e o outro não? Como reverter esse processo? São perguntas ainda sem resposta.

O que os pesquisadores já descobriram é que os manguezais do Piraquê estão entre os maiores do Brasil em sequestro de carbono; que nos primeiros dois anos após o desastre, mais de 20% do carbono estocado no local foram perdidos; e que as perdas em serviços ecossistêmicos, decorrentes da morte prolongada, estão em US$ 792 mil anuais, sem contar os prejuízos com o carbono não sequestrado da atmosfera.

Os resultados obtidos até o momento foram divulgados em um artigo científico publicado no Journal of Environmental Management com o título “Perdas de carbono do ecossistema após mortalidade de manguezais induzida pelo clima no Brasil”, nessa terça-feira (27), na semana em que se comemora o Dia Mundial dos Manguezais, 26 de julho.

O estudo é fruto da Rede Peld-Hcess – Pesquisa Ecológica de Longa Duração-Habitats Costeiros do Espírito Santo, integrada pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Universidade Federal Fluminense (UFF), Southern Cross University da Austrália, Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq/Usp) e Oregon State University dos Estados Unidos. Os recursos são do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Espírito Santo (Fapes) e da National Geographic Society.

PELD-HCES

Campeão em estocagem de carbono

Um dos autores do artigo, o biólogo Luiz Eduardo Gomes é doutorando em Ciências Biológicas na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), sob orientação do professor-doutor Ângelo Bernardino. Ele explica que a estimativa do prejuízo financeiro considerou apenas os recursos ecossistêmicos relacionados às populações locais, especialmente as aldeias indígenas de Santa Cruz, entre eles: recursos pesqueiros, regulação climática, matéria-prima para artesanato e artefatos manuais e berçário da fauna aquática.

Agora, conta, o grupo se dedica a estudar com mais profundidade as perdas em estoque de carbono. “Queremos entender o processo de perda desse carbono estocado, quanto está sendo perdido e quanto está sendo recuperado ao longo dos anos”.
Foto: PELD-HCES

Luiz explica que o manguezal é a floresta que mais estoca carbono. “Toda árvore estoca carbono devido à fotossíntese, onde absorve gás carbônico e libera oxigênio. No manguezal também, mas a chave do ouro do manguezal está no solo, que estoca entre 70% e 90% do carbono, incluindo o que vem pelos rios e pelo mar. Esse carbono fica enterrado no solo e preso na estrutura da floresta. Se compararmos duas áreas de mesmo tamanho, o manguezal consegue estucar duas vezes mais carbono do que a Amazônia. E, se comparado com biomas mais secos, como Caatinga ou Cerrado, a capacidade é dez vezes maior”.

Bandeira de conservação e recuperação

O serviço ambiental de sequestro de carbono, expõe o cientista, pode servir como uma bandeira, um atrativo para estimular a recuperação do manguezal e, consequentemente, restaurar todos os demais importantes serviços ambientais que ele realiza, bem como os aspectos culturais e estilos de vida das populações humanas que convivem com esse ecossistema.
Ao mesmo tempo, a continuação das pesquisas pode abrir caminhos para encontrar as causas do problema e as possibilidades de restauração. “Já sabemos que os primeiros 30 centímetros do solo são os mais fragilizados. Continuando os estudos, vamos poder entender outros processos, até ter dados mais robustos, aplicáveis na recuperação do manguezal”.

Luiz conta que o grupo fez algumas pequenas experimentações de reflorestamento da área afetada, buscando entender o que acontece na área, mas, sem verba específica para a ação, não obteve sucesso. O fato da morte ter sido provocada por um evento climático raro – chuva de granizo sobre manguezal e durante um período longo de seca –, salienta, é a principal fonte de dificuldade para entender o processo de restaurar o ambiente. “Além do nosso, há somente um outro estudo sobre morte de manguezal por seca, feito na Austrália”.

Preconceito

A escassez de estudos científicos reflete uma discriminação intensa que esse ecossistema ainda sofre. A tragédia ocorrida em Santa Cruz, afirma Luiz, certamente acontece em todos os continentes, sem quaisquer estudos sobre suas causas, consequências e soluções possíveis.

“Ainda é uma floresta negligenciada. O manguezal sofre preconceito por causa do cheiro, da lama. É impactado historicamente por esgoto e construções urbanas irregulares. Passa por todos esses problemas, mas é fundamental para a nossa vida e para a biodiversidade. Um quinto da economia nacional vem do mar e mais de 70% da vida no mar interage com o manguezal”, elenca, destacando ainda os serviços de proteção da linha de maré. “Áreas costeiras sem manguezais sofrem erosão muito maior”, acrescenta.

Business da conservação
No Brasil, apesar de toda a degradação, ainda há cerca de 940 mil hectares de manguezais ao longo da costa. O potencial de geração de renda a partir da proteção e recuperação, portanto, é gigantesco.


Por enquanto, esse interesse ainda está restrito a Organizações Não Governamentais (ONGs) e o poder público, mas o mercado já começa a despertar para o novo nicho, relata Luiz, citando o pioneirismo de uma empresa em São Paulo que tem investido no setor, a Biofílica. “
Precisamos integrar o business de conservação para o manguezal, nacionalmente temos um enorme potencial“, opina. 

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